Como a alimentação pode ajudar a lidar com a menstruação/ciclo menstrual

Desde que menstruamos os nossos meses passam a ter um ritmo definido.

A cada mês um fluxo de sangue invade a nossa intimidade e com ele, vem muitas vezes, um conjunto de sintomas que leva a que muitas vezes se ouçam vozes: ela está com a lua, está naqueles dias, está com tpm… e muitos mais comentários típicos que fomos ouvindo ao longo do nosso crescimento.

A maioria de nós cresceu sem perceber claramente porque chega aquele sangue todos os meses. A ideia mais transmitida é que a partir dali podemos engravidar e a preocupação é, geralmente, nesse sentido. Este desconhecimento do nosso próprio corpo fez-nos distanciar do que somos como mulheres, do que os une e da nossa capacidade inata de gerar vida.

O tabu em volta do assunto, que felizmente hoje começa a ser vencido, fez e ainda faz muitas mulheres esconderem a sua menstruação e o seu ciclo da família e durante muito tempo, das suas filhas.

Um dos grandes problemas deste tabu é a distância a que ficamos do nosso corpo e desse indicador vital de saúde: o nosso ciclo menstrual. Perceber o nosso ciclo menstrual, como varia, perceber as cores do fluxo menstrual, identificar os sintomas e estados de ânimo e vitalidade ao longo das várias fases do ciclo traz uma sabedoria que permite um auto-cuidado desde tenra idade e portanto mais saúde e cuidado com a fertilidade. Sim, escutar o corpo, perceber os nossos ciclos menstruais ao longo da vida, ajuda a cuidar da nossa fertilidade.

Penso que a maioria de nós identifica sintomas associadas à fase pré-menstrual – irritabilidade, insónias, vontade de comer doces, impaciência, obstipação, cólicas, enxaquecas, acne, tensão mamária (são apenas alguns) – mas e nas outras fases do ciclo?

O ciclo menstrual começa no primeiro de menstruação. Portanto, neste dia assinalamos como dia 1. Depois, o ciclo vai variando consoante cada mulher, mais longo ou mais curto dependendo de imensos factores, como stress, alimentação, idade, estado de saúde, entre outros. O dia 1 marca o início da fase folicular, depois ocorre a ovulação e depois segue-se a fase luteínica até à próxima menstruação.

Todos os dias as nossas hormonas são diferentes e em cada fase do ciclo a variação hormonal também é diferente. Toda esta informação apenas é válida quando não tomamos qualquer tipo de medicamento hormonal, nomeadamente a pílula e outros contraceptivos hormonais. Identificando a fase em que nos encontramos e estando atenta aos sinais e sintomas vamos
percebendo as situações e fases que parecem precisar de mais cuidado. Existem elementos chave para um ciclo menstrual vivido de forma tranquila, sem dor, nem sintomas difíceis ainda que se perceba a flutuação hormonal no nosso estado anímico e físico. Esses elementos são: o que comemos e bebemos, o nosso sono, a nossa exposição solar, a nossa atividade física, a exposição a toxinas ambientais e claro o stress. Todos eles influenciam o nosso corpo e o nosso ciclo menstrual.

Sabendo que os ovários têm uma sensibilidade grande ao estado de saúde já que em sobrevivência reproduzir não é fundamental, alterações persistentes em qualquer os dos elementos apresentados podem afectar a saúde ovariana e, portanto, o ciclo menstrual e a nossa fertilidade.

Mas e o que podemos fazer, na prática, para cuidar da nossa menstruação, do nosso ciclo menstrual e da nossa saúde? Permitirmo-nos conhecer o nosso ciclo menstrual e perceber cada fase é um dos primeiros passos.

  • Parece que uma boa quantidade diária de fibras, de hortaliças e frutas, é fundamental para o funcionamento hormonal, já que permite eliminar de forma eficiente estrogénios em excesso através do intestino que podem provocar alterações no ciclo menstrual, prejudicando a ovulação e a fertilidade.
  • Boas gorduras são fundamentais. As nossas hormonas são feitas de colesterol e parte desse colesterol provem do que comemos. Deixemos de lado óleos vegetais refinados. Estes encontram-se em fast food, doces prontos, comidas pré-feitas, bolachas.
  • Frutos secos, sementes, abacate, ovo, azeite, peixes são algumas boas opções. As sementes são também ricas em fibras e minerais importantes também para a saúde ovariana e tiroidiana (também de extrema importância) para o ciclo menstrual.
  • Incluir proteína animal (carne, peixe, ovos) ou vegetal (feijões, grão, lentilhas) de forma regular ao longo do dia, permitindo saciedade e aminoácidos e vitaminas e minerais também essenciais a todo o corpo nomeadamente tiróide e ovários.
  • Aumentar o consumo de ervas aromáticas e especiarias, que além de darem sabor, tem nutrientes que suportam a nossa digestão e fígado, importante para a eliminação diária de toxinas e processamento hormonal.
  • Mastigar bem devagar. A digestão começa na boca e a absorção de nutrientes no intestino também depende da qualidade da mastigação.   Nutrientes são o que precisamos para produzir hormonas e para regular a nossa saúde.
  • Aproveitar as oportunidades diárias em que temos para nos alimentar com comida real e natural.
  • Reduzir radicalmente o consumo de açúcar em bolos, bolachas, refrigerantes, comidas prontas, fast food.  O ovário tem muita sensibilidade ao açúcar, os exageros podem realmente prejudicar a sua saúde e comprometer a ovulação, como por exemplo pode acontecer na síndrome de ovários poliquísticos. Uma alimentação rica em açúcar e refinados afecta a nossa e insulina que pode levar facilmente à alteração hormonal e afectar o ciclo menstrual. Acrescento ainda a falta de nutrientes e o excesso de aditivos que estes produtos alimentares têm e que acrescem mais esforço ao nosso metabolismo a manutenção de um equilíbrio saudável.
  • Eliminar o consumo de bebidas alcoólicas.
  • Reduzir o consumo de café e bebidas com cafeína. 
  • Diminuir ao máximo a exposição a alimentos conservados em plásticos como enlatados, comidas pré-prontas. Preferir conservas em vidro. Quanto à água, preferir usar um filtro de água e transportar água em garrafas de vidro ou inox. 

A todos estes cuidados, temos de acrescentar a importância da vitamina D que recebemos da exposição solar, a actividade física que ajuda a regular a insulina e que esta estabilidade é fundamental para a saúde ovariana, o descanso já que o sono é fundamental para regular o stress e garantir um equilíbrio hormonal.

Com isto que apresentei, quero dizer que não é normal sentirmos muita dor e mau estar físico ou emocional em alguma fase no ciclo, nem na menstruação. Essa mensagem de normalidade foi passando ao longo de décadas, mas quando implementadas medidas simples que estão ao alcance de todas nós são corrigidas e melhoradas. O impacto da mudança na alimentação no ciclo menstrual, em situações não graves, é rápido e isso mostra o quanto desconhecíamos de como nutrir o nosso corpo. 

Ao corrigir a alimentação melhoramos a nossa digestão, a nossa tiroide, o nosso cérebro e o nosso ciclo menstrual. Pode parecer difícil nos dias de hoje, em que cozinhar é cada vez mais uma tarefa delegada a comidas prontas, mas na verdade, essa é a mentalidade que tem de mudar para que tudo o resto se encaixe em prol da saúde.  Simplicidade é o termo. Escolher a cada momento o melhor entre vegetais, fruta, frutos secos, feijões, ovo, peixe, aveia, mandioca, cereais. Estes alimentos podem ser comidos em qualquer refeição. Temos de trocar produtos alimentares por alimentos, a diferença é enorme!

Quanto à alimentação em cada fase do ciclo, esse é um passo seguinte de auto-conhecimento, de adequar a cada mulher as suas necessidades especificas quando existe algum desequilíbrio a cuidar. Sabemos, de forma geral, que precisamos de fontes de ómega 3, zinco, fibras e cálcio na fase pré-menstrual. Precisamos de ajustar o ferro às mulheres que tem fluxo abundante, mas também optimizar o seu intestino para a absorção de vitaminas do complexo B. E, acima de tudo, não podemos ter medo de comer. Comer é fundamental!

É cada vez mais comum atender mulheres em idade fértil que vêm os seus ciclos menstruais alterados, com ausência de menstruação, devido a uma alimentação muito restrita e excesso de exercício físico. O equilíbrio é fundamental! 

Passar este conhecimento desde cedo às meninas, mas também aos rapazes. Porque escondemos algo que é natural e que afecta a ambos? A fertilidade é de ambos. Os cuidados aqui descritos devem ser implementados por todos, homens e mulheres!

As mulheres ao irem gerar outras mulheres passam a sua saúde ou ausência dela às gerações seguintes. Ultrapassar a vergonha da menstruação, adquirir conhecimento sobre o nosso corpo e perceber o que nos faz sentir bem é uma grande conquista e é responsabilidade de todas nós! Nós somos o futuro e o que fazemos hoje influencia o amanhã e sim, falo de alimentação, ciclo menstrual e fertilidade!

Carla Fernandes, Nutricionista (artigo publicado na +Fertilidade em Maio de 2020)