A Medicina Tradicional Chinesa (MTC) assenta num raciocínio que se caracteriza pela relação do ser humano com o meio envolvente (natureza, sociedade, comunidade/família) e a aquisição de hábitos de vida que permitam ao indivíduo adaptar-se a esses fatores. Para a MTC, o estado de saúde define-se como a capacidade de adaptação do indivíduo ao meio envolvente.
Os profissionais de MTC dispõem de um sistema terapêutico com diversas ferramentas:
- Acupuntura: aplicação de finas agulhas em pontos de acupuntura;
- Moxabustão: aplicação de calor em pontos de acupuntura;
- Tuina: massagem terapêutica;
- Taijiquan e Qigong: exercícios de coordenação motora e concentração;
- Prescrição de Fitoterapia Chinesa e Orientação Dietética.
Existem também outras técnicas complementares:
- Ventosas;
- Gua Sha;
- Auriculoterapia;
- Electroestimulação;
- Laser.
Este sistema terapêutico permite ao profissional de MTC intervir na correção de padrões identificados e, recentemente, incorporados na 11.ª Edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), publicada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Acupuntura na fertilidade
Cada vez mais casais com subfertilidade recorrem à acupuntura combinada para melhorar a taxa de sucesso nos tratamentos de procriação medicamente assistida (PMA) — fertilização in vitro (FIV).
Em 2021, foi realizada uma análise de várias revisões sistemáticas publicadas (Wang, 2021) que incluiu 312 ensaios clínicos controlados e aleatorizados e 65.388 mulheres com infertilidade que se submeteram a FIV e transferência de embrião.
Os resultados nos grupos que realizaram Acupuntura como tratamento coadjuvante demonstraram que esta intervenção melhorou em 25% a taxa de gravidez clínica e em 19% a taxa de nados-vivos quando comparada com grupos que não realizaram este tratamento.
Outra revisão sistemática mais recente (Quan, 2022) incluiu27 ensaios clínicos controlados e aleatorizados, com 7.676 mulheres,e teve como objetivo a avaliação da eficácia da Acupuntura em mulheres com infertilidade. Este estudo mostrou que o grupo submetido a tratamento de acupuntura melhorou em 34% a taxa de nados-vivos e em 43% a taxa de gravidez clínica.
Desta forma, a Acupuntura parece ser benéfica no aumento da taxa de gravidez clínica em mulheres submetidas a FIV, bem como em mulheres com infertilidade.
Mecanismos de ação da Acupuntura em fertilidade
- Aumento do fluxo sanguíneo
Pela inibição da atividade nervosa simpática, a acupuntura causa uma dilatação dos vasos sanguíneos, principalmente da artéria uterina (principal fonte de irrigação do útero e de parte dos ovários) (Stener-Victorin, 1996). Esta vasodilatação provoca um aumento do fluxo sanguíneo para a cavidade pélvica, o que aumenta o aporte de nutrientes e de elementos antioxidantes para o útero e ovários, bem como melhora a sua oxigenação. Desta forma, a acupuntura parece promover a espessura e otimizar a morfologia do endométrio e otimizar a recetividade para a implantação do embrião (importante em casos de casais com infertilidade por falhas de implantação ou endométrio fino) (Shuai, 2015).
- Modulação hormonal
A acupuntura atua no hipotálamo, ao modular a secreção hormonal durante o ciclo de tratamento de PMA — FIV, e atua no controlo dos efeitos secundários das medicações utilizadas. A acupuntura parece promover o equilíbrio fisiológico das hormonas sexuais em mulheres a viver processos de infertilidade (redução dos níveis séricos de FSH e LH e o aumento dos níveis séricos de estrogénios e progesterona). Estes efeitos são benéficos para o desenvolvimento e maturação folicular, ovulação e promoção de um ciclo menstrual regular, contribuindo para a promoção da fertilidade (Xu, 2022).
- Diminuição da ansiedade
A acupuntura é uma excelente técnica de relaxamento devido à libertação de beta endorfinas ao nível do sistema nervoso central. A acupuntura pode melhorar a ansiedade e o stress do dia a dia, contribuindo positivamente para a fertilidade (de forma direta e indireta por aumento da adesão aos tratamentos e diminuição da taxa de desistência dos mesmos) (Yang, 2021).
Como funciona uma sessão de MTC/Acupuntura?
Na primeira consulta é realizada a história clínica do casal e o exame físico de forma a elaborar um diagnóstico de medicina chinesa e proposto um plano de intervenção terapêutica de acordo com o esquema seguinte:
Após avaliação e diagnóstico, o especialista em MTC deverá definir com o casal se o objetivo é promover uma gravidez espontânea ou apoiar um tratamento de procriação medicamente assistida PMA – FIV.
Caso seja promoção de uma gravidez espontânea, deverá ser aferida a existência ou não de diagnóstico de medicina ocidental:
- Casal com diagnóstico: o profissional deverá clarificar as expectativas quanto aos resultados esperados e propor um protocolo de intervenção;
- Casal sem diagnóstico: o profissional deverá avaliar se o casal se enquadra nos critérios de referenciação para consulta de Ginecologia/Fertilidade.
Caso seja apoiar um tratamento de PMA – FIV: o profissional deve identificar a fase do ciclo da mulher, compreender o plano de PMA proposto pelo médico assistente e propor protocolo de intervenção.
De referir que se na avaliação for identificada alguma contraindicação para gravidez, o casal deverá ser encaminhado para consulta de Ginecologia de imediato.
Após definido o diagnóstico de MTC, é selecionado um protocolo de pontos de acupuntura (distribuídos por várias zonas: cabeça, tronco, membros superiores e/ou membros inferiores) e aplicadas as agulhas (esterilizadas e descartáveis). Após a desinfeção do local de puntura, as agulhas são introduzidas na pele e deixadas por aproximadamente 30 minutos.
Na Clínica Fertilidade yIN, o tratamento de acupuntura é entendido não só como a aplicação de uma técnica terapêutica, mas também como toda uma experiência de autocuidado no qual a pessoa é convidada a reencontrar-se consigo mesma num ambiente calmo e acolhedor, beneficiando de variáveis de conforto como temperatura, intensidade da luz e aromaterapia (adequada ao seu diagnóstico, fase do ciclo e fase de tratamento de PMA – FIV).
Qual a frequência das sessões?
No tratamento da (in)fertilidade, a acupuntura é recomendada de forma semanal. Os tratamentos devem ser iniciados três a seis meses antes do início da estimulação com medicação do ciclo PMA — FIV. Durante o apoio a técnicas de PMA, a frequência poderá diferir, nomeadamente no período de estimulação ovárica e preparação do endométrio, em que geralmente é recomendada uma frequência de duas vezes por semana (avaliação individual em função da resposta ecográfica e analítica no momento). Após a transferência, se confirmação de gravidez com β-hcg positivo, recomenda-se uma frequência de tratamentos semanal até às 12 semanas de gestação.
Segurança e eventos adversos na acupuntura
Em 2016, foi realizada uma revisão de revisões sistemáticas que visou a avaliação da segurança e eventos adversos na acupuntura. Foram incluídas 17 revisões sistemáticas e foram identificadas quatro categorias principais de eventos adversos: lesões de tecido ou de órgão, infeções, reações locais e outras complicações (como tontura ou síncope) (Chan, 2016).
Eventos adversos menores ou graves podem ocorrer durante o uso da acupuntura, contrariando a ideia de que a acupuntura é inofensiva. Eventos adversos graves são raros, contudo, exigem atenção significativa. A segurança do paciente deve ser uma parte essencial da educação e certificação de competências do profissional de acupuntura.
Acupuntura e o trabalho transdisciplinar
Todo o profissional de saúde tem como objetivo maior promover a saúde/bem-estar daqueles que cuida. Aprofundar o seu conhecimento, melhorar a sua prática e otimizar cada vez mais os resultados de suas intervenções. E estes resultados serão tão melhores quanto mais os profissionais trabalharem em equipa!
O trabalho de equipa transdisciplinar permite que o resultado da intervenção conjunta seja superior à soma das intervenções individuais, beneficiando o conhecimento e a progressão dos profissionais, mas, acima de tudo, beneficiando a pessoa que é cuidada. O trabalho em equipa transdisciplinar visa a articulação direta dos profissionais das diferentes áreas em prol de um objetivo comum. Exige compreensão e aceitação dos diferentes papéis/funções, cooperação e confiança mútua e uma rede de comunicação circular e multidirecional.
A Medicina Chinesa e a Acupuntura são profissões de saúde com autonomia técnica e deontológica com conteúdo funcional bem definido. O profissional de Medicina Chinesa/Acupuntura tem competências para intervir na correção de padrões identificados e, recentemente, incorporados na 11.ª Edição da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, mas tem, também, o dever de se reger por princípios de conduta, tais como “encaminhar o cliente, sempre que necessário, para o profissional de saúde melhor habilitado a tratar a situação de saúde do mesmo”.
Trabalhar em equipa é retirar o foco do eu, enquanto pessoa e profissional, e colocar a pessoa no centro dos cuidados. Aprofundar diálogos, promover a discussão de opiniões, definir estratégias de intervenção conjuntas… E fazê-lo de forma que a gestão de diferentes profissionais, diferentes conhecimentos e diferentes áreas de atuação, seja feita nos bastidores sem sobrecarregar a pessoa no momento da tomada de decisão.
A acupuntura pode ser uma excelente ferramenta no cuidado ao casal que vive um processo de (in)fertilidade, contudo, é fundamental que cada profissional compreenda, aceite e respeite o seu lugar e o seu papel na equipa multidisciplinar (idealmente, transdisciplinar).
É importante a escolha do profissional que efetua o diagnóstico/tratamento?
A Ginecologia-Obstetrícia é uma área de atuação tão específica que aos profissionais médicos e enfermeiros, por exemplo, é exigida uma especialização com formação, validação de competências e reconhecimento pelas respetivas ordens.
A infertilidade é uma área de ainda maior especificidade que exige, aos profissionais médicos ginecologistas-obstetras, uma subespecialização. O que isto significa? Significa que, após seis anos de faculdade, o médico que trabalha fertilidade terá de realizar um ano de prática clínica, seis anos de internato em ginecologia-obstetrícia e, ainda assim, haverá necessidade de aprofundar o conhecimento, prática e competências com uma subespecialização em fertilidade, de forma a acompanhar os casais que vivem esta jornada desafiante.
Atualmente, vive-se uma fase de transição iniciada com o reconhecimento da MTC e Acupuntura como profissões (independentes de outras profissões de saúde!) com autonomia técnica e deontológica na sua prática profissional, Lei nº45/2003, de 22 de agosto. Este reconhecimento conduziu à necessidade de regulamentação da profissão com a determinação dos requisitos necessários ao exercício destas atividades profissionais, Lei nº71/2013, 2 de setembro (titularidade do grau de licenciado, obtido numa instituição de ensino superior, na área respetiva, algo que não acontecia até à saída do primeiro licenciado em Acupuntura em julho de 2021).
Este processo conduz, naturalmente, a uma enorme heterogeneidade do percurso profissional e académico dos diferentes profissionais a exercer atualmente:
- Profissionais sem cédula profissional;
- Profissionais com cédula profissional sem qualquer grau académico (com ou sem o 12.º ano);
- Profissionais com cédula profissional com Licenciatura, sem ser da área da saúde;
- Profissionais com cédula profissional com Licenciatura, na área da saúde;
- Profissionais com cédula profissional com Licenciatura em Acupuntura.
Esta será um período de transição que exigirá tempo para a padronização da prática dos diferentes praticantes, mas tem como principal objetivo assegurar a segurança e a qualidade dos cuidados prestados ao paciente.
Desta forma, facilmente se compreenderá que a um especialista de Medicina Chinesa que se dedique ao acompanhamento de casais com (in)fertilidade se exija formação, atualização, experiência e volume de atividade especializada que permita no mínimo assegurar a segurança do casal e o não prejudicar dos resultados dos tratamentos realizados em PMA – FIV.
Efetue o seu acompanhamento de acupuntura:
- Numa clínica licenciada pela ERS;
- Com um profissional com cédula profissional emitida pela ACSS;
- Idealmente, com um profissional que trabalhe de forma transdisciplinar, articulando com profissionais de outras áreas (nomeadamente Ginecologia/Clínicas de PMA).
Conclusão
“As pessoas vão esquecer o que tu disseste, vão esquecer o que tu fizeste, mas nunca esquecerão o que as fizeste sentir” — Maya Angelou.
Acompanhar casais que vivem um processo de (in)fertilidade tem tanto de desafiante e exigente quanto de gratificante e encantador. Enquanto profissional de saúde, considero que um compromisso é assumido. O compromisso de estar presente. Estar presente em todos os momentos a partir do instante em que é assumida a decisão de parceria na caminhada da fertilidade da mulher/casal:
- Presente quando se iniciam os tratamentos;
- Presente quando se decide parar;
- Presente quando surgem dúvidas e inseguranças;
- Presente quando são precisas respostas a perguntas que tantas vezes já foram respondidas;
- Presente quando são precisas respostas a dúvidas que se tem até vergonha de colocar;
- Presente para garantir que mesmo no silêncio, mesmo quando surge o cansaço, a desmotivação, a solidão, se saiba que alguém caminha a nosso lado e está disponível para nos acolher.
A (In)fertilidade é multifatorial e de forte impacto na vida pessoal, familiar e profissional, pelo que a sua abordagem só me faz sentido de forma transdisciplinar, em equipa. O casal deve ser avaliado, orientado e acompanhado por uma equipa que os olhe, os compreenda e lhes disponibilize as ferramentas necessárias para tomar decisões da sua própria jornada de forma informada e esclarecida. Não há um caminho certo e um caminho errado. Há informação, há escolhas, há condicionantes, há riscos e há consequências. E as consequências são vividas única e exclusivamente pelo casal. É a sua jornada, é a sua vida. O profissional tem o papel de, com o seu conhecimento e experiência, ser facilitador na tomada de decisão numa jornada e numa tomada de decisão que não lhe pertence.
- Wang, 2021: https://doi.org/10.3389/fpubh.2021.651811
- Quan, 2022: https://doi.org/10.1155/2022/3595033
- Stener-Victorin, 1996: https://doi.org/10.1093/oxfordjournals.humrep.a019378
- Shuai, 2015: https://doi.org/10.1136/acupmed-2014-010572
- Yang, 2021: https://doi.org/10.1186/s12991-021-00327-5
- Xu, 2022: https://doi.org/10.1155/2022/3854117
- Chan, 2016: https://doi.org/10.1038/s41598-017-03272-0
Tatiana Branco Vaz, enfermeira especialista em Saúde Materna, Obstétrica e Ginecológica, especialista em Medicina Chinesa e Acupuntura