Carla Daniela Guimarães
No dia 4 de Março de 2020 nasceu um lindo arco-íris, que nos veio encher o colo e colorir a vida. Carregamos uma filha nos braços e vários no coração, que nunca serão esquecidos.
Tivemos um caminho longo e muito doloroso a percorrer, até chegarmos ao grande dia, mas chegamos com a graça de Deus, porque quando ele entendeu que era a hora certa, o milagre chegou, e tornou tudo possível. Foram 10 anos de luta por um filho nos braços, mais de 7 anos de colo vazio, várias perdas obstétricas e diagnósticos clínicos, e a chegada da infertilidade e de tudo o que ela acarreta.
Na nossa caminhada tivemos vários insucessos obstétricos, muito diferentes e sem ligação entre eles, e que não fizeram soar os alarmes dos médicos, porque eram situações muito díspares. Tivemos duas gravidezes espontâneas, mas que não terminaram bem. A primeira terminou quase às 24 semanas com uma IMG, por causa de uma cardiopatia congénita muito grave, o SVEH (Síndrome do Ventrículo Esquerdo Hipoplásico) que nos levou o nosso André, que era geneticamente saudável e cuja cardiopatia não teve causa científica até hoje, foi um acaso da natureza sem explicação, após a realização dos estudos de anatomia patológica e genéticos do bebé.
Ter de “matar” o nosso filho, foi a pior decisão da nossa vida. Vivemos para sempre com duas dores, a dor da perda e a dor da decisão. Depois de termos alta médica para voltarmos a engravidar, veio uma nova gravidez, mas mais uma vez a sorte não nos bafejou, e às 7 semanas descobriu-se que eu tinha uma gravidez ectópica com um bebé vivo na trompa esquerda. Tive de fazer uma cirurgia de urgência para retirar a trompa esquerda, e assim perdemos o nosso segundo bebé e entramos no mundo da infertilidade e da PMA, por incompetência da única trompa que possuo.
Não vou citar os centros de fertilidade e nem as clínicas privadas onde as coisas não correram bem, e irei só dizer mais à frente, a porta certa que batemos. Fizemos o nosso primeiro tratamento de fertilidade, num misto de FIV e de ICSI, no qual engravidei e tive uma gravidez bioquímica, que muito provavelmente foi causada pela administração de aspirina, porque no meu caso não é recomendável a toma, como viria a descobrir mais tarde.
Após esse tratamento fiz um estudo completo às trombofilias e fiquei a saber que sou portadora de trombofilias genéticas e adquiridas. Fui encaminhada para uma hematologista maravilhosa, uma excelente profissional e muito humana, que se chama Dra. Rosa Maia.
Munidos desse novo dado, fizemos um novo tratamento, devidamente medicada e acompanhada para não correr risco de vida. Fizemos uma FIV que resultou num aborto retido às 7 semanas. Como estava medicada para as trombofilias, os médicos acharam que havia mais alguma coisa que devia estar a escapar, e fizemos o estudo dos nossos cariótipos e descobriu-se que eu tenho uma translação equilibrada, e que teríamos de recorrer ao DGPI nos tratamentos seguintes para termos embriões saudáveis. Depois deste diagnóstico foram precisos mais três tratamentos de fertilidade, dois em que não obtivemos embriões de qualidade e saudáveis, até que chegamos à AVA, com uma equipa maravilhosa e fizemos o nosso quinto tratamento de fertilidade e o que nos trouxe a nossa filha. Conseguimos ter embriões com qualidade e saudáveis, e engravidei com um só embrião.
Fui seguida pela minha querida hematologista, que acreditou connosco que desta vez é que era, e que fez tudo o que podia para que a gravidez corresse bem, pelo que fiz injecções diárias de heparina desde o tratamento (não sei quantas são, não as contei) e durante a gravidez toda, e ainda as faço por mais algum tempo após o parto. Foi considerada uma gravidez de alto risco por causa das minhas trombofilias, por ser uma gravidez resultante de PMA e por causa do meu historial obstétrico.
Fui muito bem seguida na MBB em Coimbra, com consultas regulares e análises frequentes, e tivemos de fazer um ecocardiograma fetal para despiste de cardiopatias na nossa filha, que felizmente tem o coração saudável. E graças a Deus, foi uma gravidez que em correu tudo bem, não houve nenhum incidente, nem necessidade de irmos às urgências, e a nossa menina gostou tanto do T0, que teve de ser despejada do mesmo com um parto induzido.
Felizmente, nenhum médico nos disse ao longo do caminho que era impossível, só diziam que não tínhamos tido sorte até aqui, mas que esse momento era possível sim. E eu acreditei sempre que ele chegaria, e lutei para que a minha parte fosse cumprida, até que Deus nos concedesse a sua grande graça, porque desistir não era opção, mesmo nas alturas em que as nuvens eram muito negras.
Nem sempre batemos nas portas certas, mas o importante é termos batido na porta certa e que nos estava destinada para a grande vitória. Mantive a fé e a esperança de que o grande dia chegaria. A nossa princesa chegou à quinta gravidez e ao quinto tratamento de fertilidade, porque nem sempre as coisas correm como sonhamos, mas o importante é lutarmos, enquanto as nossas capacidades emocionais, físicas e económicas nos permitem.
Enquanto conseguirmos, vale a pena lutar, porque quando o milagre chega, não há maior alegria do mundo do que ter o colo ocupado. Quero que sejamos um caso de esperança para quem está no limbo da infertilidade e das perdas gestacionais e neonatais, para que não desistam e continuem a acreditar que o milagre é possível. Que a nossa história possa ajudar outros casais a não perder a esperança, mesmo que o caminho esteja muito tortuoso.
Partilhamos a nossa história para quem sabe levar uma palavra de conforto a quem está na escuridão da dor. Se puder levar esperança à um casal que seja, já me sentirei muito feliz e honrarei a memória dos meus filhos. Aos demais, que não sofrem da doença clínica chamada infertilidade e que tiveram a grande sorte de não passarem pelas perdas gestacionais ou neonatais, peço que aprendam a respeitar a dor alheia e a terem empatia para com os casais que passam por provas tão duras na vida. Não é por não termos passado pelo mesmo, que não possamos ter respeito e solidariedade. Se não sabem o que dizer, basta um lamento, estou aqui e um abraço, acreditem que faz toda a diferença.
Obrigada a todos que caminharam connosco e que torceram por nós.