Marta Silva e Frederico Leandro
Eu e o meu marido Frederico iniciámos a nossa caminha pela infertilidade em 2014. A nossa luta durou 4 anos, os anos mais difíceis da nossa vida. Em 2018 nasceu a nossa Carlota e, a partir daí fechou-se um ciclo de angústias, desesperos e espectativas e começou outro igualmente desafiante.
Iniciámos juntos uma relação romântica e cheia de sonhos e o maior deles era sermos pais. Namorámos, casámos, preparámos a nossa casa e fizemos um planeamento, ao mês, para a vinda do nosso primeiro filho. Desconhecíamos que houvesse tantos casais com dificuldades para engravidar, não tínhamos conhecimento de ninguém que não tivesse conseguido realizar este projeto e, portanto, o diagnóstico da infertilidade foi como um balde de água fria que caiu nas nossas vidas, numa altura em que tudo nos parecia perfeito.
Após um ano de tentativas fracassadas e a conselho da minha ginecologista, tivemos a nossa primeira consulta de fertilidade, numa clínica privada. Já tínhamos os exames básicos que apontavam para uma infertilidade de causa masculina e foi-nos indicada a Fertilização in Vitro (FIV) com ICSI. Neste dia, ficámos a perceber muitas coisas que até então eram novidade para nós. Percebemos que o serviço público de saúde não iria dar-nos resposta no tempo que nós desejávamos, que os tratamentos que nos eram indicados seriam um grande arrombo financeiro e que teríamos de percorrer um caminho diferente para termos o nosso desejado filho.
Iniciámos os preparativos para a primeira ICSI. Logo no mês seguinte. Para mim, nunca trinta dias me pareceram tão vagarosos. O nosso tempo era ocupado com o nosso trabalho e a fazer pesquisas no Google sobre o tema da infertilidade ou em fóruns relacionados com o tema. Apesar de termos partilhado a nossa situação com os nossos familiares mais próximos e melhores amigos, optámos por não contar a mais pessoas porque foi duro perceber que estávamos a causar tristeza e angústia a quem gosta de nós.
Passo a passo, seguindo todas as indicações do médico que nos acompanhou e depois de muitas nódoas negras na minha barriga devido às injeções mal dadas, chegou o momento decisivo. A análise que confirma o sucesso de todo o tratamento. Lembro-me de ter as pernas a tremer e o coração a querer sair do peito de tanta ansiedade. Quando atendi o telefonema do médico ele deu-nos logo os parabéns e percebi que podia respirar de alívio. Estava grávida! Uma imensa felicidade que partilhámos com todos aqueles que também aguardavam o telefonema do médico.
Com todos os cuidados que uma grávida precisa de ter, os dias foram passando e a espectativa estava na primeira ecografia.
Sentia-me bem, nada de enjoos, apenas algumas moinhas que todos diziam ser normais. Seguiram-se umas dores mais fortes, pontuais, mas nada mais. Estava tranquilizada pelo médico.
Quando fizemos a primeira ecografia, vi no rosto do médico um ar de pânico, nem uma palavra enquanto olhava para o monitor com toda a precisão. Percebi logo que havia alguma coisa que não estava bem…. Estava realmente grávida, mas o meu filho não estava na minha barriga. Perguntei “mas onde está, então?” e a resposta foi “não está”. Tinha um saco gestacional vazio, que em alguma altura teve um embriãozinho, mas que nunca teve um coração a bater. Foi duro, talvez o momento mais duro até então. Aquele saco vazio teve de sair, expulsei de mim aquilo que mais desejava. Chorámos muito e juntos, na nossa casa, vimos ir “por água a baixo” o desfecho de todo o nosso esforço e dedicação.
Recuperámos da deceção e voltámos à luta.
Não conseguimos congelar embriões e, portanto, recomeçámos mais um processo de ICSI. Voltámos à clínica e o procedimento foi o mesmo, mas agora encarado com mais experiência e menos espectativas. Resultado: grávida novamente! E novamente o mesmo diagnóstico na ecografia, um saco gestacional vazio. Seguiu-se mais uma expulsão, em casa, com muitas dores e muitas lágrimas.
Após um mês de luto tínhamos de ir buscar as esperanças que nos mantiveram, os nossos embriões congelados, que não eram muitos, mas podiam ser os nossos guerreiros.
Nesta altura, a clínica de fertilidade onde estávamos a ser seguidos fechou e o nosso médico já nos tinha encaminhado para o Hospital de Santa Maria, mas a chamada ainda iria ser demorada, então, juntámos todas as nossas economias e, em 2015, fizemos a transferência dos nossos embriões noutra clínica. Transportámos no nosso carro, com todo o cuidado, o recipiente com os nossos três embriões, prendemo-lo com o cinto de segurança com a esperança de estarmos a proteger o/s nosso/s filho/s numa viagem de automóvel em família.
Para esta transferência foram-nos indicados novos procedimentos, fomos “com tudo”, segundo palavras do nosso novo médico. Tentámos o “scratching” endometrial, tratamento da minha adenomiose por embolização uterina e após transferência injeções de heparina e anticoagulantes. Infelizmente, apesar de tudo, o resultado foi negativo.
Para nós sempre esteve fora de questão desistir do nosso sonho mesmo com todas em deceções. Então, voltámos a ganhar forças e quando fomos chamados para o Hospital de Santa Maria íamos novamente confiantes.
A realidade do acompanhamento hospital público é bastante diferente das clínicas privadas. Ali percebemos que a infertilidade não escolhe idades, nem etnias. Quando olhávamos à nossa volta percebíamos que eram muitos com os mesmos receios e as mesmas esperanças. Por vezes, víamos sair dos gabinetes médicos casais com o seu livrinho verde, o livro da grávida, uma espécie de passaporte para a felicidade, e perguntávamo-nos quando é que seria a nossa vez.
Aqui, a primeira ICSI foi negativa e sem embriões. A segunda também foi negativa, mas conseguimos ficar com embriões congelados. E, com tudo isto, foi em 2017 que a equipa médica decidiu fazer-me um estudo uterino que detetou várias aderências que tiveram de ser removidas por histeroscopia.
Tratadas as aderências intrauterinas, avançámos para a transferência dos embriões que estavam congelados desde o ano anterior, sempre com vontade de nunca desistir do nosso sonho, mas já acusando cansaço e muito desgaste psicológico.
À nossa volta, toda a gente parecia feliz e realizada e os nossos amigos e familiares iam anunciando as suas gravidezes. Começámos a perder o animo e decidimos que poderíamos ser pais de outra forma recorrendo à adoção.
Durante este período o mais difícil de ultrapassar é o tempo que vai passando. Se por um lado, quando estamos à espera dos tratamentos, parece-nos que o tempo não passa, por outro, quando olhamos para trás reparamos que já estamos há tempo a mais nesta luta e que a idade vai avançando, o que não é nada favorável.
Cada aniversário meu que passei durante esta caminhada traduziu-se num dia de muita dor, sem vontade de festejar mais um ano da minha vida sem o meu maior desejo. Muitas vezes, senti-me egoísta por não estar a partilhar verdadeiramente a felicidade daqueles que me rodeiam e percebi que precisávamos de ser ajudados psicologicamente. Fomos à procura desta ajuda e de muitas outras. Recorremos à homeopatia, à acupuntura, à meditação, à suplementação natural e à Fé em Deus. Entretanto, já dominávamos os conceitos principais da infertilidade e começámos a partilhar a nossa luta com os outros. De certa forma, esta partilha evitou a avalanche de perguntas típicas que são feitas a um casal recém-casado, como, por exemplo, “então e o bebé, é para quando?”, “já está na altura de pensarem em aumentar a família…”.
Na última transferência que fizemos tínhamos as nossas espectativas muito baixas. Decidimos que faria a minha vida normal, tentando desfocar-me do assunto e fui trabalhar normalmente. Uns dias antes de fazer a análise beta-HCG tive um sangramento que nos deixou de rastos e me levou a fazer um teste rápido e para nossa surpresa estava positivo!
Aguardámos com muita ansiedade pela ecografia. As duas últimas tinham terminado como nosso sonho e desta vez queríamos muito que fosse diferente. Queríamos mais do que tudo na vida ver e ouvir o coração do nosso embriãozinho a bater. Quando olhámos para o monitor, vimos o “pisca-pisca” e ouvimos “aqui está ele, o coração do vosso bebé a bater forte”, não aguentámos as lágrimas a chorámos muito de emoção, juntamente com os médicos e enfermeiros fantásticos que ali estavam a partilhar da nossa emoção.
Mas o sangramento não trazia boas notícias. Estava com um descolamento no saco gestacional e a gravidez poderia não evoluir. Não havia garantias de nada e a única coisa que podia fazer era repouso absoluto até às doze semanas e voltar para ver a evolução do embrião.
Cheguei às doze semanas, com repouso absoluto, seguindo todas as indicações médicas, com muitos vómitos e muitos sintomas de grávida, mas não consegui sentir-me verdadeiramente grávida, não quis criar uma ligação com um bebé que poderia estar ali ou então não estar. Não contámos a muitas pessoas com receio de ter de dar uma má notícia e quando regressámos ao Hospital de Santa Maria o nosso bebé estava forte e saudável, cheio de vitalidade e pronto a receber muito amor.
Finalmente, foi a nossa vez de sair do gabinete médico com o livrinho verde e nos despedirmos daquelas pessoas, aqueles seres humanos incríveis, desde a equipa médica às rececionistas, que nos deram um abraço e se despediram de nós com lágrimas nos olhos.
A gravidez correu bem, o parto também e o nosso milagre chama-se Carlota, tem 5 anos, e sabe que é fruto de uma sementinha muito especial que um dia nos escolheu como pais.