08 Out. 2024
Quando estar com outros dói…

Vânia Fernandes, Psicóloga Clínica
A infertilidade é um acontecimento, na maioria das vezes, inesperado e que constitui um obstáculo na realização dos objetivos parentais e de vida.
Desejar ter um filho e enfrentar dificuldades é um processo complexo a nível psicológico e emocional e, apesar de não conduzir necessariamente a mau ajustamento psicológico e conjugal, é uma experiência desgastante e que pode ter repercussões a nível individual, relacional e social.
Uma das dificuldades mais referidas nas consultas de Psicologia é a experiência de confronto com mulheres grávidas ou pessoas com crianças pequenas. São diversas as reações emocionais perante situações dessas e todas são legítimas. Pode sentir-se tristeza, inveja, raiva, vergonha, culpa… E, intensamente, pois trata-se do confronto (não intencional) de alguém que conseguiu o que tanto se deseja.
Aceitar que dói, aceitar que a emoção é legítima pode ajudar; permite uma atitude de autocompaixão, como se desse um abraço a si próprio/a e dissesse: “Compreendo que seja muito duro para ti”. E facilita a expressão dessa emoção (exteriorizada ou não aos outros), contribuindo para o alívio da mesma.
As reações emocionais vão sendo elaboradas em sentimentos mais complexos. Podem surgir pensamentos que se associam à tristeza, à inevitável sensação de perda, de não ter conseguido a gravidez ou o filho que se deseja, ou ao sentimento de injustiça: “Parece que só a mim é que não acontece”. Ou à revolta: “Agora todas me esfregam as suas barrigas”. Ou ao medo de não conseguir
nunca. Às vezes, surgem pensamentos de questionar o sentido da vida, de questionar o próprio valor, associados ao sentimento de vergonha, perda de identidade e autoestima.
São frequentes os comportamentos de isolamento social e de evitamento de pessoas grávidas, pais e “mundo fértil”.
Pode ser uma experiência dolorosa e que se tende a evitar, recusando convites ou fugindo a encontros. Antecipar como se possa sentir em cada evento, partilhar os pensamentos com alguém e definir estratégias individuais e/ou de casal para essas situações pode ser importante. Geralmente, as mulheres vivenciam estas experiências de forma mais intensa. Não significa que os homens não sofram, mas é comum verificar-se uma diferença na forma como lidam com estas situações. É essencial que o casal não fique preso à diferença nas reações individuais, mas que se foque nas necessidades de cada um para aliviar o desconforto e que se unam, na situação, pondo em prática as estratégias que definiram como úteis.
E para além de avaliar o potencial stressante da situação, antecipar e focar no que pode ser agradável e no que mais importa daquele encontro também pode fazer a diferença. O apoio social é um fator protetor importante na experiência da infertilidade. Nem sempre é fácil pedir suporte, revelar a condição de infertilidade, mas é recomendável nutrir-se junto de pessoas que ajudem a suportar a dificuldade e a diminuir a angústia dessa vivência.
Não há receitas infalíveis. O evitamento e o isolamento não são considerados recursos muito adaptativos, mas, por vezes, pode ser importante proteger-se de alguns confrontos mais difíceis para os quais não sinta ter estratégias eficazes. Tudo depende do contexto, do momento e do significado que se dá ao evento em questão. E há situações que não dá para evitar ou antecipar, como notícias de gravidez, colegas grávidas no local de trabalho, famílias com bebés na rua.
Importa perceber que a emoção (e o pensamento) tem uma duração. Aceitar que é normal sentir o que sente, acreditar que vai melhorar, sem ficar preso/a ao discurso interno próprio do sentimento é benéfico para que possa criar pensamentos alternativos, um outro significado em relação à realidade do outro que tanto se deseja…
Concluo com a recomendação de partilha e troca de experiências entre pessoas que vivem a mesma condição e ajuda profissional. As consultas de Psicologia são um contexto seguro para a expressão emocional e para a organização de estratégias de regulação das emoções e da própria experiência e que podem, efetivamente, ajudar.