04 Out. 2023
Quem espera, desespera… e (nem) sempre alcança!

Ana Galhardo
A dado momento das suas vidas, a Marta e o Hugo começaram a equacionar concretizar o desejo de ter um filho. Acharam que as condições estavam reunidas, deixaram de usar contraceção e ficaram entusiasmados com a ideia de em breve terem um teste de gravidez positivo! O tempo foi passando e a tão aguardada notícia tardava em chegar! Pensavam que mais mês menos mês, mais ciclo menos ciclo, haviam de estar a festejar, mas não seria bem assim. Para a Luísa e para a Daniela foi um pouco diferente, já sabiam que a realização do seu desejo de parentalidade passaria por recorrer a ajuda médica e a esperma de um dador. Também para Catarina, que ambicionava ser mãe “a solo”, engravidar e dar à luz implicaria fazer uso da reprodução medicamente assistida.
Na realidade, a experiência de infertilidade e a necessidade de realizar tratamentos médicos tendem a envolver lidar com adversidades, exigências e múltiplos desafios. Um diagnóstico de infertilidade implica o confronto com a imprevisibilidade, a incerteza, a ameaça, a dúvida e tende a andar de mãos dadas com reatividade emocional que se pode expressar em ansiedade, tristeza, medo, raiva, depressão, etc. Claro que estas emoções fazem parte do repertório emocional com que vimos equipados e é natural que as experienciemos, transitoriamente, em diversos momentos da nossa vida. No entanto, quando se tornam intensas, se estendem no tempo e interferem com o bem-estar e a vida, há que estar mais atento.
Um estudo internacional recente, conduzido numa amostra de 1944 participantes, mostrou que a tristeza é a emoção mais reportada pelas pessoas aquando do diagnóstico de infertilidade, e que a ansiedade é a mais frequente ao longo do tratamento. Cerca de 60% destes participantes referiram que o processo de infertilidade teve impacto na sua saúde mental e 44% procuraram apoio psicológico. Na generalidade, ainda que a maioria das pessoas acabe por se ajustar psicologicamente, cerca de 30% desenvolve dificuldades psicológicas com relevância clínica, sendo as mais habituais perturbações depressivas e de ansiedade. De acrescentar que a investigação tem mostrado que a “sobrecarga” emocional é um dos principais fatores que contribui para o abandono precoce dos tratamentos médicos.
Aspetos relacionais tendem igualmente a ser influenciados pela infertilidade. Dados do mesmo estudo apontam para uma em cada três pessoas a reconhecer que a situação de infertilidade afetou a relação amorosa. Neste campo, alguns casais tornam-se mais próximos, mais coesos para fazer face às dificuldades, mas outros acabam por se afastar e sofrer com a dor, o desgaste e a desesperança que as circunstâncias da infertilidade muitas vezes acarretam. Também as relações com a família e os amigos podem alterar-se. Lidar com perguntas constantes (“Quando é que têm um bebé?”, “Quando é que nos dão um neto?”), comentários insensíveis (“De que é que estão à espera?”) e com a dor que advém do contacto com o chamado “mundo fértil”, não é fácil. Como tal, algumas pessoas acabam por se isolar e evitar reuniões familiares, encontros com amigos ou contextos com probabilidade de serem expostos a este tipo de situações.
A viagem pela infertilidade implica diversas contrariedades e até no trabalho pode haver necessidade de faltar, chegar atrasado/a, ou estar impedido/a de fazer viagens. As implicações financeiras para a realização dos tratamentos, em particular no setor privado, também não são negligenciáveis.
Dada a complexidade de uma jornada de infertilidade, o acompanhamento psicológico pode ser útil. Numa fase inicial, poderá ajudar a normalizar e regular estados emocionais, a expressar preocupações, dúvidas ou expectativas, e a receber apoio. Noutras etapas, poderá ser um facilitador de processos de tomada de decisão ou da clarificação de valores, por exemplo, quando há indicação para o recurso a gâmetas doados ou para terminar o tratamento.
Face à importância que o acompanhamento psicológico pode ter, a APFertilidade tem à disposição dos seus associados, desde 2011, uma rede de psicólogos com formação e experiência específicas na área da infertilidade.
Este texto de opinião surge da colaboração entre Ana Galhardo, psicóloga clínica, docente e investigadora, e a Associação Portuguesa de Fertilidade.
Jornal de Notícias • 4 Out. 2023