Artigos APF

22 Jan. 2025

Ser mãe depois dos 40

Juliana Pedro, Psicóloga Clínica

Quais os desafios que enfrentam?
Desafios biológicos
Sabe-se que a idade é um fator determinante na fertilidade, especialmente a idade da mulher. Sabemos que a fertilidade da mulher começa a diminuir por volta dos 30 anos, sendo que a partir dos 35 anos a diminuição é mais significativa. Ao contrário da expectativa da maioria das pessoas (Lampic, 2006), os tratamentos de procriação medicamente assistida não conseguem compensar o efeito da idade. De facto, sabemos que o sucesso dos tratamentos de PMA é também muito influenciado pela idade da mulher. Segundo o último relatório do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida disponível, de 2021, a taxa de gravidez por transferência após ICSI é de 21% aos 40-42 anos, sendo que a taxa de sucesso ronda os cerca de 39% aos 30-34 anos.

E quando surge um diagnóstico de infertilidade?
O diagnóstico de infertilidade é um acontecimento de vida com impacto considerável na vida de um casal/pessoa. À semelhança do que acontece em qualquer idade, o diagnóstico é por norma acompanhado de sentimentos de tristeza, frustração, inadequação e vergonha, trazendo por vezes sintomatologia ansiosa e/ou depressiva associada. Quando as mulheres se deparam com um diagnóstico de infertilidade, sobretudo após a “decisão” de serem mães numa “fase mais tardia”, esse impacto parece ainda ser mais exacerbado. Sentimentos de culpa e arrependimento são frequentes, sobretudo em situações de mau prognóstico ou perante alternativas como o recurso a gâmetas doados (ovócitos e/ou espermatozóides).

Desafios socioculturais
A decisão de ser mãe após os 40 anos pode ser sentida como uma decisão mais desafiante. Muitas mulheres relatam que a sua decisão é mais facilmente “contestada” e alvo de questionamento por parte dos que a rodeiam, com alguma crítica associada (“Devias ter pensado nisso antes”; “Agora já é tarde”), agravadas por falta de apoio social, seja instrumental seja emocional. Não raras vezes essas preocupações são trazidas à consulta de Psicologia, sendo causadoras de muita ansiedade ou até barreiras ao tratamento: “Estarei a ser egoísta por querer um filho nesta fase?”; “Se tiver um filho agora, sei que ele vai ter menos tempo comigo do que outras crianças que nascem de pais mais novos”.

Desafios pessoais
Cada um de nós tem o seu sistema de crenças e valores, que nos guiam ao longo da vida. Perante decisões tão importantes e fases de mudança/adaptação, estas crenças e valores são ativados, como por exemplo o nascimento de um filho. Um dos desafios frequentemente mencionado em consulta é o receio acerca do impacto da vinda do bebé na relação de casal, sobretudo em casais
com relações mais longas. Muitos dizem “quanto há mais anos estamos juntos, mais medo temos… porque até aqui fomos sempre só os dois”. Efetivamente, esta mudança poderá exigir uma adaptação mais flexível. Adicionalmente, mães com idades mais tardias reportam mais preocupações acerca de serem capazes de cuidar dos filhos quando forem mais velhas, e apresentam também
uma maior perceção de perda da liberdade e um nível mais elevado de stress (Reece, 1995, 1996.)

Estes resultados poderão estar relacionados com vários fatores, nomeadamente suporte social disponível, crenças e expectativas acerca do projeto e também características pessoais, tais como inflexibilidade psicológica e estratégias coping pessoais. Expor estas preocupações em consulta e trabalhar as crenças e expectativas de cada elemento do casal poderá trazer benefícios no período pós-parto e nesta transição para a vida com filhos.

Desafios específicos de maternidade a solo
Ser mãe num projeto de maternidade independente implica um processo de tomada de decisão por vezes mais complexo. Vários aspetos são ponderados e algumas preocupações são comuns, tais como receio da capacidade de cuidar de uma criança sozinha, receio do impacto da criança crescer sem pai, autocrítica face à decisão como sendo “egoísta”, reconstrução do projeto de maternidade (quando a expectativa inicial/desejada seria no contexto de uma relação), entre outros. Adicionalmente, a necessidade de recorrer a tratamento para alcançar o projeto pode ser mais uma barreira, sobretudo face a constrangimentos financeiros ou receio dos procedimentos de PMA ou até barreiras pessoais, emocionais ou religiosas face à PMA.

Após os 40 anos, esta decisão pode ter ainda mais desafios, sobretudo a preocupação face à capacidade de cuidar da criança em idades mais tardias e também face à maior dificuldade de acesso ao suporte social. No entanto, estes fatores parecem também estar presentes nos projetos de maternidade em contexto de casal.

O que nos diz a investigação?
Ser mãe “mais tarde” do que o socialmente esperado e “desejavelmente” biologicamente ideal, é também um foco de interesse da investigação. Quando somos pais mais “velhos”, serão só desvantagens? Seguem alguns dados que podem ser interessantes:

  • Ter um filho aos 30 ou 40 anos parece não ter efeitos negativos na parentalidade (van Balen, 2005);
  • Crianças de pais com mais de 30 anos apresentam índices superiores de felicidade, menos problemas de comportamentos e mais proximidade aos pais (Rappaport, 2000);
  • Alguns estudos mostram que a parentalidade mais tardia traz alguns benefícios, sobretudo no que diz respeito à disponibilidade psicológica. Este fator é atribuído ao facto de, nesta fase, de forma mais frequente, o foco na carreira já não ser tão intenso e, portanto, temos mais “tempo” e tempo de qualidade. Por outro lado, a experiência de vida traz maturidade e também resiliência, sendo que alguns estudos também apontam que quanto mais velhos somos, mais adequadas as nossas estratégias de coping.

Sugestões
Procure suporte junto dos mais próximos, sobretudo junto das pessoas com quem tem relações seguras, saudáveis, abertas e apoiantes. Procure ajuda profissional. Aconselhe-se junto do seu médico; se planeia engravidar após os 40 anos, poderá ser importante consultar um médico especialista na área da fertilidade. Sendo a idade um fator importante na saúde reprodutiva, tanto
na obtenção da gravidez como numa gravidez e bebé saudável, procure esta ajuda atempadamente. Após 6 meses de tentativas sem sucesso, é recomendável procurar ajuda (se a mulher tiver 35 ou mais anos).

Procure ajuda profissional na área da Psicologia:

  • Explorar o significado de ser mãe, identificar as barreiras, dúvidas e crenças dificultadoras e trabalhar nas estratégias para lidar com elas poderão contribuir para a tomada de uma decisão mais firme;
  • Trabalhar as crenças e expectativas face ao projeto, nomeadamente a promoção da aceitação/luto do projeto de maternidade idealizado vs. possível: um projeto que já estava desejado e planeado há mais tempo e foi adiado; um projeto de maternidade por gravidez espontânea e foi reconstruído com recurso a tratamento; um projeto de maternidade com recurso a tratamento que foi adaptado para recurso também a gâmetas doados; um projeto de casal que foi adaptado para um projeto a solo…
  • A consulta de Psicologia deverá ser um espaço seguro, sem julgamentos, onde poderá ter oportunidade de explorar os seus receios, dúvidas e trabalhar as suas expectativas e estratégias face ao processo; assim como cuidar de si e da sua saúde mental.

Informe-se junto de fontes fidedignas, nomeadamente do seu médico especialista. Coloque todas as questões e explore as suas dúvidas.

O desejo de parentalidade é um direito universal que deveria ser possibilitado e acessível a todos. Um projeto de maternidade não é menos válido porque surge “mais tarde” do que o socialmente expectável. Existem alguns desafios específicos, mas a maioria vai ser transversal a todos os projetos de maternidade. Procure ajuda e suporte e lute pelo seu sonho de vida.

Referências bibliográficas

  • Beaujouan, E. (2023). Delayed Fertility as a Driver of Fertility Decline?. In The demography of transforming families (pp. 41-63). Cham: Springer International Publishing.
  • Lampic, C., Svanberg, A. S., Karlström, P., & Tydén, T. (2006). Fertility awareness, intentions concerning childbearing, and attitudes towards parenthood among female and male academics. Human reproduction, 21(2), 558-564.
  • Rappaport, M. I. (2000). The consequences of being reared by older parents: A study of 6 to 12 year old children. University of California, Irvine.
  • Reece, S. M. (1995). Stress and maternal adaptation in first-time mothers more than 35 years old. Applied Nursing Research, 8(2), 61-66.
  • Reece, S. M., & Harkless, G. (1996). Divergent themes in maternal experience in women older than 35 years of age. Applied Nursing Research, 9(3), 148-153.
  • van Balen, F. (2005). Late parenthood among subfertile and fertile couples: motivations and educational goals. Patient education and Counseling, 59(3), 276-282.

Artigos relacionados