Tenho 34 anos e um diagnóstico de endometriose

Carla Xavier Santos

Chamo-me Carla, tenho 34 anos feitos a 5 de abril, e sou da Maia, do distrito do Porto. Sou portadora de endometriose. Como cheguei a este diagnóstico? Eis que a minha história vai começar.

A minha primeira menstruação (menarca) foi aos 11 anos. Lembro-me perfeitamente desse dia em que “me tornei uma mulher”, segundo as palavras da minha mãe. Não estava preparada para o que aí vinha. Foi uma semana de autoconhecimento, muitas dúvidas, mas principalmente muitas dores! Não conseguia manter-me de pé, sentia tonturas, dores fortes na barriga e no fundo das costas. Foi uma semana em que faltei às aulas, pois senti-me incapaz. Fazem-me a pergunta que seria de esperar — “foste ao médico?” — e sim, dirigi-me ao centro de saúde para partilhar tudo isto com o meu médico de família e ter uma consulta de planeamento familiar com a enfermeira. Não posso dizer que saí melhor, pois seria mentira. A resposta para todos aqueles sintomas: “As dores que está a sentir é o seu corpo que se está a transformar. É normal sentir tudo isso. Vamos começar por tomar a pílula para ajudar a controlar as dores”.

Passados 19 anos, o que sentia continuava a ser normal. Mas durante estes 19 anos aprendi a lidar com as minhas dores da única forma que conhecia, que era com a continuação da pílula e a toma de anti-inflamatórios, chegando até a ultrapassar o máximo de comprimidos aconselhados por dia.

Faltava às aulas, ou então tinha de sair a meio da aula e alguém tinha de me levar para casa. Por vezes, era até a própria professora. Não fazia praia, pois tinha complexos e preocupava-me a questão de poder ter um fluxo maior e não ter como mudar o penso.

Relativamente às pessoas que me rodeavam, estas sabiam o que se passava. Tinha amigas que se relacionavam com o que eu estava a passar, pois passavam pelo mesmo, outras que nem sabiam o que era ter dores menstruais e achavam que usava isso como desculpa para não fazer determinadas coisas.

A minha família sempre me apoiou, mas, tal como eu, éramos completamente desconhecedores do que causava isto e, por consequência, levámos a palavra do médico como uma verdade, tal como muita gente que nos rodeia. Um fator que me ajudava a tolerar tudo isto era a prática de desporto. Pratiquei voleibol desde os meus 5 anos até aos 26 e sentia que era uma ajuda essencial para o meu corpo, talvez para desinflamar?

Em 2020, aos 30 anos, decidi deixar a pílula, pois tínhamos como planos começar uma família. O meu antigo médico de família reformou-se e conheci a atual, e uma nova jornada começou. Fizemos os exames requisitados pela médica, os exames pré-natais e tudo parecia estar bem. Começámos então as tentativas para engravidar. Quando efetivamente comecei a menstruar, pois até a data era apenas o chamado “sangramento por privação”, tive um episódio terrível. Nunca havia sentido uma dor daquela dimensão, desta vez até o estômago tinha atacado, estava encolhida como um caracol sem me poder mexer. Liguei para a Linha SNS24, expliquei o que se passava e aconselharam-me a ficar por casa e tomar um Brufen, pois na urgência do hospital nada fariam.

De mês para mês via-me num quadro diferente de dor, fosse pela sua localização ou até mesmo grau de intensidade. E isto não podia continuar sem resposta, mas, em 2021, o positivo chegou, mas infelizmente sem continuidade da gravidez. Tive um aborto espontâneo às 7 semanas, possível gravidez anembrionária.

Esta fase de perda não foi fácil, mas sinto que consegui, de certa forma, a um nível muito pessoal, ultrapassar da melhor forma. Muito talvez por achar que sou uma pessoa de muito “pés na terra”, que não criei muitas expectativas, pois vejo muitos casos à minha volta que são sem dúvida mais complicados, em que as próprias mães/pais são talvez mais sensíveis.

Sem dúvida que senti muito o julgamento de algumas pessoas pela forma tão leviana como lidei com as minhas dores, e, ainda hoje, uma das maiores dificuldades que enfrento é a falta de compreensão das pessoas próximas em relação à minha condição. É frustrante quando as pessoas duvidam da gravidade da minha situação ou minimizam os meus sintomas.

A batalha continuou e agora não era apenas a menstruação, era também o nosso sonho que sofria percalços. Tentámos perceber o que se estava a passar connosco e a razão pela qual a gravidez não evoluiu e focámo-nos em perceber porque tinha essas dores ao menstruar.

Entre 2022 e 2023, após vários exames, a resposta estava ali, finalmente, numa ressonância magnética. ENDOMETRIOSE, endometriomas em ambos ovários, endometriose no fígado, endometriose na bexiga e outros que se encontram no relatório em anexo. Isto foi como uma chapada de luva branca e com um sabor agridoce, porque finalmente havia um diagnóstico, mas ao mesmo tempo não era positivo para a minha fertilidade. Fui encaminhada para o Hospital de S. João, Prelada e Maternidade Júlio Dinis para ser seguida em fertilidade.

O meu marido tinha o espermograma “normal” apesar de não ser dos melhores, mas mesmo assim dentro dos parâmetros normais. Onde poderia estar o problema? Em mim. Esperamos que qualquer hospital nos chamasse e, felizmente, após quase um ano, a Maternidade Júlio Dinis abre-nos as portas. Após exames, consultas e etc., e apesar de quase toda a comunidade médica sugerir a prioridade de FIV, foi-nos indicado o tratamento de inseminação intrauterina. Senti-me triste, revoltada. Disseram-nos que o tratamento de fertilização in vitro tinha lista de espera, então iríamos começar pela IIU.

Infelizmente, ainda não tivemos o nosso positivo, sendo que o primeiro tratamento foi no passado dia 3 de abril de 2024. Encontro-me agora num ciclo de pausa para retornar aos tratamentos em breve. Mas porque me sinto assim? Porque tenho 34 anos, tenho o diagnóstico de endometriose, em que a única “cura” é a toma da pílula contínua, o que está fora dos meus planos porque quero ter filhos, sim, filhos no plural. Sonho com uma grande família e agora vejo esse sonho a desmoronar, quer por questões de idade, porque o acompanhamento do crescimento dos filhos não se esperar ser o mesmo e porque está comprovado o declínio da fertilidade feminina a partir dos 35 anos.

É uma batalha interna, conjunta obviamente, porque sentimos de certa forma que não há um cuidado, uma humanização no acompanhamento médico. Sentimos que o sistema está formatado para poupar ao Estado e o que cada um de nós quer fica para segundo plano. Tanto que já nos foi alertado que se a inseminação não funcionar, só para o ano iniciamos o tratamento da FIV. Deixo também aqui uma observação pessoal que deixei um dia na minha página do Instagram, a descrever o que sentia e sinto ainda: “A tentativa de engravidar pode ser e é para mim uma jornada desafiadora. Enfrento dificuldades em engravidar e até já sofri um aborto devido a uma gravidez anembrionária. É uma dor que não pode ser expressa. Mas nós não somos todas iguais. Cada um enfrenta os seus demónios da forma que tem de enfrentar e está tudo bem! Eu não fui abaixo, não chorei, apenas aceitei. Mexeu com o meu emocional? Claro! Eu não sou tu e tu não és eu. Eu sabia efetivamente que estava grávida, pois o teste deu positivo e o médico confirmou e, enquanto abortava, não sei como tive forças para aguentar sem medicação. Agora alguém diz “Ah! Como é possível? É porque não tiveste as dores que eu tive. És muito insensível!” Ou, então, como ouvi de alguém bem próximo a mim dizer: “Não devias estar grávida”, “isso foi um atraso na menstruação e achaste que engravidaste”. Parece mentira? Pois, não é. A pior parte disto tudo é que existem efetivamente pessoas que não parecem levar a sério o que estou a passar e que muitas mulheres passam. Às vezes, chegam a questionar se realmente estou a tentar ou se estou a fazer algo errado. Não entendem o quanto é difícil lidar com a endometriose (e outras doenças), a infertilidade e também a opção de muitas mulheres que não querem ser mães. Estas pessoinhas têm de se inteirar que pode ser extremamente doloroso e frustrante essas atitudes e palavras, pois sinto que estou a ser invalidada em relação aos meus próprios sentimentos e experiências. No entanto, pedindo desculpa por esta “rasgadela”, é importante lembrar que a endometriose é real e dolorosa e eu não sou a única a enfrentar esta condição. Embora a falta de compreensão das pessoas próximas possa ser difícil, continuo a lutar e a esperar por um dia em que haja mais empatia em relação a estas realidades. Sorte a minha que tenho um Pedro”.