18 Abr. 2025
A caminhada mais bonita da minha vida

Raquel
O desejo de ser mãe cedo se manifestou, ganhando nome aquando de uma relação que se julgava para a vida. No entanto, a dita prega-nos partidas e o “para a vida” deixou de fazer sentido, levando com ele o nome mas não o desejo.
Desde então o coração passou a navegar em águas turvas e, como não raras vezes brinquei, parecia que tinha “dedo podre para o amor”. Por entre relações curtas e as que nunca chegaram sequer a sê-lo, os amores não correspondidos e os “porque é que não mandamos no coração?”, fui amadurecendo a ideia de que, tal como a minha mãe sempre me ensinou, se deve lutar por aquilo que depende de nós. E a verdade é que encontrar um amor e encontrar nele um companheiro para partilhar a maternidade não era algo que dependesse exclusivamente de mim. A sorte, o acaso, os astros alinhados… nada disso dependia de mim. E foi nessa tomada de consciência que fui pesquisando sobre a possibilidade de tornar o meu sonho realidade… porque ser mãe era algo que podia depender apenas de mim.
A cidade de Vigo (Espanha) afigurou-se como a primeira hipótese, não só pela proximidade com Portugal mas também pela vasta experiência a receber mulheres como eu… mulheres que querem ser mães embora não tenham encontrado o companheiro certo, mulheres que por força de uma lei que não existia eram forçadas a viajar até ao país vizinho para puderem ter, sozinhas, o seu bebé. Durante este caminho fui pesquisando e falando com os meus (pais e irmão) pilares da e para a vida, fui procurando dentro de mim respostas e nos outros aprovação, apoio (sozinha teria sido muito mais difícil). Falei também com a minha ginecologista que, num primeiro momento desvalorizou e disse “é muito cedo, és nova, ainda vais encontrar alguém”. Mas foi também ela que no momento em que a decisão estava tomada me aconselhou a aguardar porque a lei seria finalmente discutida em Portugal. A ansiedade era muita e assim que a notícia da aprovação da lei apareceu recebi imediatamente uma chamada “dos meus”. Era o momento de avançar.
Iniciei o processo em Janeiro, vários exames e análises, esperar pelo momento certo do ciclo. Em Junho o processo estava concluído e era feito o pedido dos gâmetas. Recordo com alguma graça o comentário da médica “raios parta que hoje vocês têm todas cabelo castanho claro e olhos verdes” (no sistema público o dador tem as mesmas características físicas que nós). E a partir desse momento era esperar por um dador compatível. Foi uma espera longa, muito longa, de muita ansiedade mas enorme esperança. Durante este caminho foi discutido o anonimato dos dadores (que deixou de existir) o que atrasou ainda mais todo o processo. No meu caso, e porque fui das primeiras a iniciar o processo, o anonimato ainda se aplicou.
Entretanto, conheci uma pessoa e iniciei uma relação. Percebendo que era uma pessoa especial, cedo partilhei a minha história, a minha espera e o meu desejo. Naquele momento encontrei nele uma admiração imensa pela coragem (e se é preciso ter coragem!) e palavras bonitas “espero que não precises de fazer esse caminho sozinha”. Tal como ele, também eu acreditava que o projecto da maternidade é mais bonito a dois e naquele momento confesso que tive a esperança de que ele fosse o tal e de que quando me chamassem eu pudesse dizer “obrigada mas conheci uma pessoa e é com ele que irei fazer esse caminho”. Mas a verdade é que a relação não evoluiu como esperava e quando, em Setembro de 2019, recebi o email (tão ansiado) a dizer que tinham finalmente encontrado um dador compatível e que já tinham os meus gâmetas, o meu mundo estremeceu, num misto de felicidade descontrolada e de sensação de vazio por não ter a certeza qual o rumo a tomar. Seguiram-se momentos muito duros, de muitas questões, angústias, medos… senti-me perdida, tenho de admitir. Por parte “dos meus” continuei a receber todo o apoio, da parte dele recebi um amor sem fim, só possível vindo de alguém muito especial. Mas algo me dizia que não era por ali e que eu teria mesmo de seguir o meu caminho sozinha… e assim foi.
Depois de uma das decisões mais difíceis da minha vida, respondi ao email… estava pronta para avançar! Repeti alguns exames para perceber como estava o meu corpo, afinal já tinha passado muito tempo desde que foi feito o pedido dos gâmetas (dois anos e meio para ser mais precisa). Foi então decidido avançar para uma FIV (Fertilização in Vitro). E depois disto o processo foi muito rápido… medicação para estimular os ovários e preparar tudo para a punção (retirada de folículos para posterior fertilização). No dia da punção estava nervosa mas muito confiante… sabia que ia correr tudo bem. Este procedimento é feito com anestesia geral, embora seja uma sedação mais leve. E de facto correu bem, foram retirados 8 folículos com boas condições para serem fertilizados e no dia seguinte já estava de regresso ao trabalho e à vida normal. O procedimento foi feito numa segunda-feira e alguns dias depois saberia se tinha ou não algum embrião viável. Sexta-feira de manhã, numa ansiedade sem tamanho, contactei o Centro para saber como estavam “os meus bebés”: “temos seis embriões de boa qualidade, amanhã marcamos a transferência.” Não queria acreditar, faltava pouco, tão pouco. No dia seguinte, enquanto tomava um pequeno-almoço tardio, recebi o telefonema da bióloga: “temos cinco embriões muito bons e vamos fazer a transferência na próxima quarta-feira”. Estava tudo a correr bem e faltava pouco, muito pouco.
Recordo o dia da transferência como um dia muito especial e feliz. Fui acompanhada pela minha mãe e a emoção era muita. E sim, foi de facto um dos momentos mais bonitos. Durante a transferência estive acordada e a visualizar num ecrã todo o processo… a entrada do embrião no útero surge como um feixe de luz o que torna o momento mágico. As lágrimas foram inevitáveis. É um processo rápido e que, no meu caso, requereu repouso apenas durante o período da tarde desse mesmo dia. A partir daí retomei a normalidade dos meus dias, embora sempre com uma grande expectativa. Alguns dias depois, já não consigo precisar quantos, voltei ao Centro de Reprodução Humana para saber se o embrião tinha vingado. Eramos muitas na sala de espera e, como era já habitual, chegámos muito cedo para tirar sangue. Durante a manhã fomos partilhando histórias, anseios e receios. Eu tinha ido sozinha mas estava acompanhada de uma enorme certeza de que tudo tinha corrido bem (embora não tivesse qualquer sintoma que o denunciasse).
Ao final da manhã a senhora com quem tinha estado a conversar foi finalmente chamada para a consulta e quando saiu vinha visivelmente triste. Neste momento o meu mundo desabou e levei uma lambada de realidade: bolas, pode acontecer o mesmo comigo! Posso dizer que este foi o único momento em que pensei nesta possibilidade. Embora tivesse plena consciência das probabilidades e vicissitudes deste processo, sempre tive uma postura muito positiva e um querer maior do que tudo. Ouvi o meu nome no altifalante e o meu coração disparou. Fiz o caminho até ao consultório com as pernas a cambalear e sentei-me em frente à médica quase sem fôlego. “Como se sente?”, perguntou-me. Depois da minha resposta olhou para o computador e para umas folhas e disse: “Parabéns, está francamente grávida!”. Confesso que naquele momento não aguentei e desatei a chorar, tamanha era a emoção. Bolas, eu sabia que ia correr bem!!! Saí do consultório radiante e liguei aos meus… era o início da caminhada mais bonita da minha vida.
A gravidez correu sem sobressaltos de maio, apenas com as maleitas normais e sempre consciente de que tive muita sorte por ter conseguido engravidar na primeira tentativa. E apesar de ter vivido a gravidez em plena pandemia, foram 9 meses de pura felicidade e hoje sou mãe de uma princesa linda, o meu amor maior!