20 Mar. 2025
A luta que Deus escolheu para nós

Tânia e João
Queria ser mãe cedo. Tive a oportunidade de em pequenita acompanhar o crescimento dos meus 2 primos e da minha sobrinha e cuidava deles (mudar fraldas, brincar e assim). Mas o tempo passava e ainda não tinha encontrado a pessoa certa e que quisesse, tanto como eu e ao meu lado, dar este passo tão importante na vida. Cheguei a “aceitar” que ficaria apenas para tia… Até que conheci o João.
Eu e o João começámos a namorar em 2019, eu com 28 anos e ele com 32. Alguns meses depois, começámos a morar juntos e a nossa vida parecia encaminhada. Com o caminhar da idade e do nosso relacionamento, em 2022, achámos que seria o momento para dar o passo seguinte e começar a nossa família. Como sou uma pessoa ansiosa, quis tentar fazer tudo certinho. Fui à médica de família pedir exames (para ambos) para termos a certeza que estava tudo bem, fui à ginecologista que me vigiava por causa do HPV e fui à ginecologista que gostava que me acompanhasse numa gravidez. As análises, citologias e ecografias estavam todas bem e todas as médicas nos deram “luz verde”. O próximo passo era parar a pílula e iniciar os treinos.
Tal como todos os casais, achávamos que ia ser rápido… Com todos os casais próximos tinha sido, porque é que o nosso não haveria de ser? Em abril de 2022 parámos então a pílula e, nesse verão, até fizemos a viagem das nossas vidas – 5000 km de mota até Itália. Fomos e viemos, o tempo passava e continuava sem engravidar.
Em setembro, a minha cabeça começou a “panicar” e os dedos a pesquisar no Google. Começaram os emails para a médica de família e, em todo o lado, eu lia que em mulheres com idade inferior a 35 anos apenas se fazia pesquisa após 12 meses de tentativas sem sucesso. Não podia aceitar e não aceitei! Em outubro desse mesmo ano fui a uma consulta de apoio à fertilidade em Lisboa, onde ouvi novamente o que já tinha lido centenas de vezes, e expliquei à médica que não me iria perdoar se, por não ter procurado ajuda, quando descobrisse algo, já fosse tarde demais. Tinha um “feeling” que algo se passaria.
Dessa consulta e, para me “descansar”, resultou uma bateria de análises e ecografia. Para o João foi apenas pedido um espermograma. Logo no ciclo seguinte fui fazer as análises. Ao recebê-las, percebi que um dos valores estava muito baixo e o Google foi o meu motor de pesquisa novamente. Nessa tarde só pesquisei e chorei. Nesse dia, o João estava em Espanha e só lhe contei no dia seguinte. Mal chegou, eu chorava. Depois de as lágrimas acalmarem consegui dizer-lhe que “nunca ia ser mãe e já sabia o porquê”. Fiz-lhe um breve resumo do que tinha lido e já tinha consulta com essa médica marcada para a segunda-feira seguinte para confirmação do diagnóstico. Mal a médica viu a minha reserva ovárica, AMH=0.16, aconselhou-nos imediatamente, e o mais rápido possível, a entrar no mundo da procriação medicamente assistida (PMA) e que o nosso tratamento seria FIV. Esta seria a única possibilidade, e talvez nem assim (apenas com ovodoação), de sermos pais. Engravidar de forma natural/espontânea seria impossível.
A médica aconselhou, caso tivéssemos possibilidades, a recorrer ao privado, porque tempo era coisa que não tínhamos, ou para não perdermos tempo e fazer a inscrição no serviço público. Foi um choque aquela notícia para ambos. Chorámos o caminho de regresso a casa, sem conseguir dizer uma palavra desde Lisboa até Torres Novas.
Ouvíamos relatos de pessoas na televisão e por aí, que tinham sofrido imenso nestes processos e não sabíamos se queríamos sofrer dessa maneira. Tivemos que conversar e, numa fase inicial, houve bastante resistência aos centros de PMA privados porque não queríamos que nos iludissem, fosse apenas para gastarmos dinheiro e impossível ter o nosso bebé.
Assim sendo, em dezembro, o João fez os exames dele (que estavam todos bem), e mal obtive o resultado, em desespero, inscrevi-nos no Hospital de Santa Maria e Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, e tinha tido conhecimento que o Hospital da Covilhã teria os menores tempos de espera. Fui chamada em janeiro de 2023 para a primeira consulta no Hospital de Santa Maria e em fevereiro para a primeira consulta no Hospital da Covilhã. Fomos sendo seguidos paralelamente nos dois sítios.
Em junho desse ano estávamos a entrar num mundo completamente novo e desconhecido. O medo e a esperança eram sentimentos que tínhamos. O João estava mais confiante que eu. Sou mais pessimista. Comecei então as injeções diárias para estimulação ovárica para a FIV/ICSI no Hospital da Covilhã, onde após punção consegui dois embriões aptos a transferir. Em julho transferi um embrião a fresco em D3 e, em setembro, o outro embrião congelado em D7. Escusado será dizer que nenhum embrião implantou.
Apesar de todos os funcionários do serviço de PMA do Hospital da Covilhã serem maravilhosos e atenciosos, não conseguimos ter empatia com o médico permanente da unidade. Resolvemos pedir alta e passar apenas a ser seguidos no Hospital de Santa Maria, onde já sabíamos que em março de 2024 faria 1 ano de lista de espera e poderíamos fazer o nosso segundo tratamento no SNS.
Neste intervalo, resolvemos dar uma oportunidade ao privado, achando que “seria desta vez” — pelo facto de estarmos a pagar iríamos ter melhores resultados. Mas não!
Fizemos mais exames e um tratamento FIV numa clínica privada. Nesses exames percebeu-se que existe uma incompatibilidade imunológica da minha parte, ou seja, que o meu organismo rejeita tudo aquilo que lhe é desconhecido. A solução parecia simples (corticóides), então avançámos! Desta vez estava eu mais confiante.
Em dezembro de 2023 estava novamente a iniciar a nova jornada de estimulação com injetáveis e, no início de janeiro de 2024, o ciclo estava a ser cancelado por falta de resposta ovárica. Tentámos novamente no ciclo seguinte, e, dessa vez, já obtive uma melhor resposta (embora seja sempre baixa), resultando apenas em 1 blastocisto em D5. Como hiperestimulei, tive novamente de esperar mais um ciclo para poder fazer a transferência. Fiz toda a medicação indicada e, após os 12 ou 14 dias de espera, com injeções diárias dolorosas, que me deixaram a barriga com hematomas feios, chegou mais um teste negativo. Continuava sem funcionar, apesar de termos feito todas as medicações diferentes e supostamente certas para o nosso caso.
Nestas situações, e as meninas que estão na PMA sabem como é, achamos que não temos força para lutar mais, mas depois dos litros de lágrimas, limpámos a cara e a força aparece sabe Deus de onde e pensámos: “Não! Temos de lutar mais um pouco!”.
Em março de 2024, estava na consulta no Hospital de Santa Maria, mas não havia vagas e o meu tratamento teria de ficar agendado para junho. Revoltei-me mais uma vez com a vida, mas entendi que teria de aguardar.
A 19 de Abril de 2024 recebo o meu presente envenenado. Com a menstruação atrasada há alguns dias, algumas náuseas e cansaço extremo, resolvo fazer um teste de gravidez que deu automaticamente positivo. Agradeci tanto, mas tanto a Deus! Fui confirmar com o teste de sangue que também veio positivo. Pude fazer a surpresa ao João como há muito tinha idealizado na minha cabeça… Mas a alegria depressa passou a pesadelo. Dias depois, com a repetição do beta HCG, de 48h em 48h, descobre-se que parou de desenvolver e, dias depois, percebe-se que é uma gravidez ectópica.
Como não tinha sintomas, o tratamento de primeira linha foi um injetável de Metrotrexato, que não funcionou, e ainda tomei uma segunda dose, que também não funcionou. Por causa desta medicação, foi-nos dito que teríamos de suspender os tratamentos por seis meses. Com revolta tivemos de aceitar. Como no SNS a coisa não se resolvia e já tinham passado 2 semanas naquela ansiedade e sofrimento, pedi ajuda ao médico que nos tinha seguido no privado e a solução seria retirar a trompa por laparoscopia. Demorei a aceitar, mas no dia seguinte pedi-lhe para avançar e fizemos a cirurgia logo que o bloco operatório teve vaga.
Neste momento, ainda não temos o nosso bebé, mas ainda não nos damos por vencidos desta luta – teremos de lutar mais um pouco para desistir de consciência tranquila que lutámos e fizemos tudo o que era possível. É verdade que, à medida que o tempo passa, a esperança também vai sendo cada vez menor, mas desistir ainda não está nos nossos planos.
Eu já fazia exercício há alguns anos, comecei a fazer acupuntura, procurei ajuda de uma nutricionista e tomo toda a suplementação que me é aconselhada. Não fumo e apenas bebo água e chás. Tento fazer tudo certo para que possa ser a nossa vez de ter sorte!
Durante esta caminhada, tem sido muito difícil conseguir lidar com os nossos sentimentos e com os comentários maldosos de pessoas que desconhecem a infertilidade. É triste este tema ser tabu e, por isso, já vamos falando sobre o assunto quando somos abordados sobre o tema dos filhos, falando um pouco da nossa história/luta. Nem todas as pessoas conseguem engravidar facilmente e a infertilidade existe. Se cada pessoa passasse 1/10 daquilo que já passámos, talvez desse mais valor à sorte que a vida lhes deu. E quem vive neste mundo sabe que a “sorte” é quem está na liderança.
Por aqui, vamos continuar a caminhar, lado a lado, de mão dada, nesta luta que Deus nos deu. E se não tiver de ser, a única solução terá de ser aceitar e aproveitar o que de bom a vida tem reservado para nós. Não posso acreditar que tenhamos apenas coisas más destinadas – ser-nos negado a possibilidade de termos o nosso filho é demasiado mau.