Testemunho

20 Mar. 2025

Completos com a ajuda da ciência

Ana Valente

Escolhemos o pôr do sol do Guincho para aquela que foi a última fotografia a dois. O retrato carrega a emoção de nove meses de gravidez e quase oito anos de uma caminhada pelo sonho.

O Afonso nasceu a 25 de abril de 2023, às 19 horas e 27 minutos. Lembro-me, algumas horas depois, de sentir que estávamos, finalmente, completos.

Eu e o David casámos em 2012. No final de 2015, deixei a pílula. Os meses foram-se sucedendo e a gravidez não surgia. Passado um ano, começaram os exames e a medicação. Era o primeiro passo de um diagnóstico, naquele momento, sem certezas, porque aparentemente estava tudo bem com ambos.

2016, 2017, 2018. Os anos seguintes foram de mais medicação, exames e a constatação de ciclos ováricos irregulares. Durante estes 36 meses, as nossas vidas foram marcadas por testes constantes, comprimidos e injeções e, sobretudo, tabelas com dias e horas marcados. Com esperanças e esperas difíceis. Com desilusões.

Em fevereiro de 2019, engravidámos! Mas o estado de graça não durou mais do que sete semanas… e nos nossos corações a gravidez durou apenas sete dias. Uma hemorragia repentina gelou-nos e deu-nos a certeza de estar a viver mais uma etapa falhada. E o tempo corria rápido contra nós.

Em 2020, a inscrição numa instituição do SNS levou-nos a uma inseminação artificial. A preparação foi difícil, o seu contexto (para mim, pessoalmente) foi desconfortável, o dia do procedimento foi estranho — estávamos em plena pandemia — e o resultado negativo. Continuámos na luta e 2021 foi um ano de muita pesquisa. Procurámos a clínica e a médica que nos foram recomendadas. As conversas com a médica foram de questionamentos constantes, choros e risos, colocando as nossas vidas nas suas mãos e longa experiência.

O primeiro ciclo de tratamentos para FIV e ICSI, em conjunto, realizou-se em março de 2022. Temos memórias concretas da administração da medicação, do dia do procedimento e da espera por notícias do laboratório sobre a evolução dos embriões. Resultado? Três embriões viáveis. Dois foram transferidos a fresco, praticamente uma semana depois. A espera de nove dias até fazer o teste de gravidez foi angustiante… tal como angustiante foi deparar-nos com o teste negativo. Em maio, transferimos o terceiro embrião, que havia sido congelado. Mais espera e novo negativo! Outro desabamento emocional, por mais uma perda. Em junho, preparámo-nos para novo ciclo, desta vez para fazer apenas ICSI — com uma estratégia terapêutica reajustada. Resultaram, mais uma vez a partir de dezenas de injeções e outros tantos comprimidos, seis embriões. Optámos pela criopreservação e fomos de férias. Aproveitámos para refletir sobre o presente e, sobretudo, sobre o futuro: “Se não voltar a resultar, quando paramos? Até quando somos capazes de aguentar financeira, física e emocionalmente?”.

A 14 de agosto, fizemos nova transferência de dois embriões. Nove dias depois, chegou o resultado positivo que tanto ansiávamos. Só às seis semanas de gravidez fizemos ecografia de confirmação e percebemos que, dos dois embriões, resultou um, com um bater de coração bem forte. O som encheu-nos a alma de alegria, mas muita contenção.

Foi uma gravidez muito vigiada, em descanso, mas emocionalmente dura, por ter sido preenchida pela dor da partida inesperada do meu pai. Fomos sempre acompanhados pela Dra. Paula, a ginecologista e obstetra da nossa vida, e reconfortados pela Dra. Tomásia, a médica de família mais completa e disponível que conhecemos. As nossas famílias foram sempre o nosso suporte. Os amigos, alguns deles, e colegas de trabalho, os mais próximos, foram companheiros e compreensivos. 

Fomos pais do Afonso na casa dos 38 anos e em breve voltamos à luta. É duro, mas possível, embora não o seja, infelizmente, em todos os casos. Ainda há silêncios. Fala-se pouco sobre as emoções. Só o amor e a compreensão entre nós os dois, com muitos altos e baixos, fizeram aguentar o barco.

A 25 de abril deste ano, celebrámos o nosso milagre — batismo e primeiro aniversário do Afonso —, festejámos a vida e as pessoas que estão connosco, aqui na terra, e as que estão connosco, no céu, a olhar por nós.

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