Um Natal com coragem

Para muitas pessoas o Natal constitui uma época festiva muito valorizada. Trata-se de um tempo tendencialmente imbuído de alegria, entusiasmo, bondade, solidariedade… Estes sentimentos estão muitas vezes associados à partilha, à reunião em família, a uma mesa farta de iguarias tradicionais, à troca de presentes, ao conforto de um lar caloroso e acolhedor. No entanto, o confronto constante com decorações natalícias dirigidas particularmente para os mais pequenos, o Pai Natal nos centros comerciais, os anúncios constantes a brinquedos, as canções e festas, podem desencadear emoções às quais se associa um outro significado.

Para quem o desejo de ter um filho encontra uma concretização mais difícil, estes estímulos tendem a implicar o contacto com uma realidade dolorosa, tendem a funcionar como “lembretes” de que algo muito importante não foi ainda alcançado, ser mãe ou pai. No mesmo sentido, o contexto de uma família alargada que se reúne para passar o Natal na qual existam crianças pode, igualmente, desencadear emoções de tristeza, ansiedade, inveja, ciúme, irritabilidade (que é uma raiva pequenina). Não que estas crianças não sejam amadas, apreciadas, elas apenas representam uma ausência, um sonho por cumprir, uma idealização de como seria se fossem suas!

O Natal pode então ficar envolto numa neblina de tristeza, de desapontamento…, mas não há nada de errado com estas emoções. As emoções, estas ou outras, não são um problema, são uma característica dos humanos, algo que nos relembra a nossa humanidade comum. Vimos equipados de série com elas e, frequentemente, porque nos é difícil estar em contacto com emoções negativas, desagradáveis, indesejáveis, fazemos esforços para as modificar ou suprimir. Contudo, dificilmente as nossas tentativas de controlar as emoções são bem-sucedidas..

Tentamos resolvê-las, mas elas não são um problema e, como tal, não podem ser resolvidas, só podem ser experienciadas. Assim, aceitar a experiência da tristeza, da ansiedade ou da irritabilidade, não é o mesmo que nos conformarmos ou resignarmos, é sim reconhecer que podemos experienciar essas emoções ou outras, mas isso não tem que impedir que sejamos a pessoa que queremos ser, não tem que condicionar viver de uma forma plena e consciente. Como tal, ainda que estas emoções mais dolorosas possam estar presentes, se a pessoa que queremos ser adota atitudes e comportamentos de partilha, de solidariedade, de carinho, estes podem continuar a ter lugar.

A nossa ação, se comprometida com aquilo que é verdadeiramente importante para nós enquanto pessoas, pode propiciar a experiência de sermos genuínos connosco e com os outros. Assim, se, por exemplo, a pessoa que queremos ser valoriza ser caloroso e gentil na relação com a família, com os amigos, podemos definir quais os comportamentos ou ações que traduzem esse calor… fazer um telefonema a desejar um feliz Natal, preparar com carinho uma sobremesa para a consoada, abraçar o sobrinho ou primo de 5 anos e fazê-lo rir com uma bandolete de rena… A dor pode continuar lá, mas não estará sozinha, é provável que a alegria, o divertimento, a autocompaixão e a coragem também venham pela chaminé!

Ana Galhardo, Psicóloga clínica, Coordenadora Científica da Licenciatura em Psicologia no Instituto Superior Miguel Torga (ISMT), Professora Auxiliar no IMST, e investigadora no CINEICC, FPCE – Centro de Investigação do Núcleo de Estudos e Intervenções Cognitivo-comportamentais da Universidade de Coimbra (artigo inicialmente publicado na edição de dezembro de 2018 da +Fertilidade)