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05 Set. 2025

"Quando o Amor Espera: Sexualidade e Intimidade em Tempos de Fertilidade"

Mónica Subtil, Psicóloga e Terapeuta sexual

A infertilidade é clinicamente definida como a incapacidade de conceber um filho ou de levar uma gravidez a termo após um ano de relações sexuais regulares e sem utilização de contracetivos. Embora as taxas de incidência variem conforme as regiões, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que cerca de 1 em cada 6 pessoas em todo o mundo (aproximadamente 17,5%) enfrente infertilidade ao longo da vida [OMS, 2023].

Em Portugal, dados mais recentes apontam para uma prevalência de infertilidade que afeta cerca de 500 mil casais, o que corresponde a cerca de 15% dos casais em idade reprodutiva, ultrapassando os 9–10% referidos em estudos anteriores [HealthNews, 2025].

Mais do que uma condição médica, a infertilidade é um fenómeno com impacto profundo nas esferas emocional, relacional e sexual, exigindo acompanhamento integrado e sensível à vivência do casal.

A parentalidade é, para muitos, uma etapa central da realização pessoal. Ter filhos é frequentemente vivido como um objetivo de vida, e por isso, quando surgem dificuldades na conceção, a sexualidade do casal tende a transformar-se. O ato sexual passa a ter uma única função: a reprodução.

As relações tornam-se programadas, alinhadas com janelas de fertilidade e marcadas por orientações médicas. O que antes era espontâneo e carregado de desejo pode converter-se numa rotina funcional e desgastante. A intimidade, nestes contextos, corre o risco de se diluir sob o peso da obrigação e da frustração.

Receber um diagnóstico de infertilidade é, para a maioria dos casais, uma experiência inesperada e difícil de processar. As emoções variam entre medo, tristeza, culpa, frustração e desânimo. Os tratamentos médicos, por sua vez, trazem consigo um conjunto de exigências que aumentam o desgaste físico e psicológico.

Embora muitos casais consigam adaptar-se, outros enfrentam respostas emocionais persistentes, como ansiedade, depressão, alterações de sono e quebra da libido. Os papéis de género influenciam também esta vivência: as mulheres tendem a sentir maior responsabilidade e culpa, enquanto a infertilidade masculina está associada a maior risco de disfunção erétil e sintomas depressivos.

Tudo isto afeta a vivência sexual e o vínculo conjugal.

Quando a sexualidade se torna alvo de vigilância, regras e frustração, perde-se a leveza e a liberdade do encontro íntimo. O desejo, sensível ao contexto emocional, tende a diminuir. E sem espaço para prazer, com a erosão da conexão emocional, o afastamento do casal torna-se mais frequentes.

Os tratamentos de reprodução medicamente assistida podem ser vividos com esperança, mas também com sobrecarga. Consultas regulares, exames, estimulação hormonal e relações sexuais agendadas tornam a sexualidade algo controlado externamente. Há quem sinta o corpo invadido ou medicalizado — e quem tenha dificuldade em manter a espontaneidade ou o prazer.

Quando a sexualidade passa a ter exclusivamente um fim reprodutivo, a relação pode sofrer: o desejo esmorece, a ligação emocional enfraquece e surgem conflitos ou distanciamentos.

E cuidar da sexualidade durante os tratamentos: é possível? Sim, e é fundamental. A sexualidade é uma dimensão vital da vida relacional e emocional. Cuidar dela durante os tratamentos ajuda a manter a união, a autoestima e a capacidade de enfrentar, juntos, os desafios.

Importante estarmos atentos à questão da intimidade sexual e criar uma conexão com o outro, como tal temos algumas sugestões práticas para preservar ou redescobrir a intimidade:

Recuperar o prazer sem foco reprodutivo

Nem todos os momentos íntimos precisam de culminar em relação sexual com penetração, e muito menos com a expectativa de engravidar. O toque, a masturbação mútua, o beijo demorado, o abraço nu, o carinho despretensioso… tudo isto são formas de manter viva a ligação erótica e emociona. O prazer pode (e deve) existir mesmo fora do calendário fértil.

Brincar com a sedução

Mensagens picantes ao longo do dia, usar roupas sensuais, preparar um ambiente diferente em casa, partilhar fantasias… Pequenos gestos de sedução reforçam o desejo e ajudam a recuperar a sensação de serem amantes — não apenas parceiros num processo médico.

Criar momentos especiais a dois

Planeiem jantares românticos, escapadinhas ou noites temáticas. Um ambiente diferente, com música, velas, e tempo exclusivo para o casal pode reativar o desejo.

Variar horários e rotinas

A rotina pode ser um dos maiores inimigos do desejo. Explorem novas formas de estarem juntos: uma escapadinha, um banho a dois, uma noite “sem tema” em que o foco é apenas estar presentes um para o outro. Evitem manter relações apenas à noite, quando estão exaustos. Experimentem diferentes momentos do dia, locais e formas de se relacionarem. A novidade alimenta o erotismo.

Libertar-se da culpa

Nem sempre há vontade — e isso é normal. Não forcem a intimidade. O desejo precisa de espaço, tempo e liberdade emocional para surgir.

Falar sobre o que sentem e desejam

A comunicação sexual é tão importante quanto a comunicação emocional. Partilhem fantasias, inseguranças, desejos ou bloqueios com respeito e curiosidade. É importante que o casal fale abertamente sobre o impacto dos tratamentos na sua sexualidade. Partilhar sentimentos, inseguranças, desejos e até bloqueios é uma forma poderosa de se manterem conectados. O silêncio cria distância, a escuta aproxima.

Pedir ajuda, quando necessário

Se as dificuldades persistirem, procurem apoio especializado. A sexualidade, tal como qualquer outra dimensão da vida, pode precisar de ajuda especializada. Psicólogos, terapeutas sexuais ou de casal podem ser aliados valiosos na redescoberta do prazer e na superação de dificuldades que surgem neste contexto.

A infertilidade, apesar de desafiante, não precisa de significar o fim da sexualidade prazerosa e do vínculo erótico. A intimidade pode transformar-se — e tornar-se até mais rica e consciente.

Mesmo quando o foco está na gravidez, a relação entre os dois merece espaço, presença e cuidado. Porque é a solidez do casal que sustentará todo o percurso, independentemente do desfecho reprodutivo.

Cuidar da sexualidade durante este processo é uma necessidade afetiva e relacional. É, muitas vezes, o que mantém o amor vivo quando tudo o resto está em suspenso.

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