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06 Nov. 2025

Uma boa higiene de sono é importante para a fertilidade masculina? A ciência sugere que sim

Sandra Amaral, Maria Inês Cristo, Ana Rita Álvaro e Catarina Carvalhas-Almeida, investigadoras do Centro de Inovação em Biomedicina e Biotecnologia, da Universidade de Coimbra

Dormir é um comportamento crucial e complexo regulado por dois processos: 1) a homeostase do sono, em que o hipotálamo (região do cérebro) gere os níveis de energia do corpo e dita quando devemos dormir ou estar acordados; e 2) os ritmos circadianos, ciclos de 24 horas modulados pelos chamados genes relógio e coordenados pelo núcleo supraquiasmático do hipotálamo. A interação entre estes processos assegura um sono reparador, em qualidade e quantidade, essencial para a saúde. Alterações nesta regulação resultam em distúrbios do sono, frequentemente ignorados, apesar do seu impacto profundo na saúde física e mental.

Entre os distúrbios mais comuns estão a insónia, apneia obstrutiva do sono, narcolepsia e síndrome das pernas inquietas. Embora distintos, partilham consequências, como a fadiga e maior risco de doenças crónicas.

Paralelamente, a infertilidade afeta cerca de 17,5% da população em idade reprodutiva, sendo que os fatores masculinos a contribuem para cerca de metade dos casos. Em muitos deles, a etiologia permanece desconhecida, a chamada infertilidade idiopática e inexplicada, que se distinguem essencialmente pelos resultados da análise seminal, anormal no tipo idiopático e normal no tipo inexplicado. Considerando que a análise seminal é o pilar do diagnóstico de (in)fertilidade, levanta-se assim uma questão importante sobre o seu valor para fins de diagnóstico, evidenciando a clara necessidade de a melhorar, bem como de caracterizar melhor os homens inférteis, em particular, no que respeita a aspetos como a saúde mental e estilo de vida.

A qualidade do sono, embora pouco estudada no contexto da fertilidade masculina, influencia e é influenciada pelos níveis de hormonas reprodutivas (LH, FSH, testosterona), bem como a expressão dos genes envolvidos nas redes de sinalização associadas, cuja secreção segue um ritmo circadiano. Não deixa também de ser curioso constatar que várias alterações associadas aos distúrbios do sono, incluindo alterações na secreção de melatonina e cortisol, perturbações metabólicas, inflamação, e stresse oxidativo, são também conhecidos por afetar negativamente a espermatogénese e a qualidade seminal noutros contextos.

Ainda assim, a presença de distúrbios do sono é frequentemente negligenciada pelos homens que procuram uma avaliação de fertilidade e não é um fator avaliado rotineiramente, o que leva a que os mecanismos subjacentes a esta possível relação permaneçam em grande parte desconhecidos.

Na expectativa de perceber o que realmente se sabe sobre este assunto, fizemos recentemente uma revisão bibliográfica, publicada na revista Sleep Medicine Reviews, onde reunimos vários estudos que corroboram o importante papel do sono e dos ritmos circadianos na função reprodutiva, incluindo na regulação hormonal, na espermatogénese e na qualidade seminal. Estudos com trabalhadores por turnos, por exemplo, demonstram alterações hormonais e seminais significativas, sugerindo que a disfunção circadiana compromete a função reprodutiva.

Relativamente a outra grande preocupação na sociedade contemporânea — a prevalência da privação de sono — quer como consequência de jornadas de trabalho prolongadas ou devido a outros fatores que podem manter as pessoas acordadas muito para além do horário previsto para dormir (dependência de ecrãs, stresse, problemas de saúde mental, fatores ambientais), os estudos demonstram que os homens que dormem mal apresentam piores condições de saúde, como sintomas do trato urinário inferior, sintomas hipogonadais e baixos níveis de testosterona, tendo também sido descrita uma associação entre a privação do sono e a diminuição da qualidade seminal, diminuição da fecundabilidade e disfunção sexual.

Curiosamente, e apoiando a necessidade de uma melhor avaliação do homem infértil, um estudo constatou que homens com infertilidade idiopática apresentavam uma qualidade de sono inferior, comparativamente a homens normozospermicos (com uma análise seminal normal), sugerindo uma possível conexão entre má qualidade do sono e alterações seminais de origem idiopática, corroborando que uma melhor caracterização dos homens inférteis pode ajudar a revelar as causas ocultas subjacentes à infertilidade idiopática. Essa hipótese é ainda mais reforçada quando consideramos a conexão entre distúrbios do sono e infertilidade, ou seja, o papel de fatores de saúde mental (ansiedade, depressão, stresse) e mecanismos fisiopatológicos (por exemplo, ambiente oxidativo e inflamatório), que estão implicados em ambas as condições.

Adicionalmente, encontrámos estudos que revelaram que alterações na expressão dos genes relógio estão relacionadas com infertilidade, seja através de efeitos nas hormonas gonadotróficas, na secreção de testosterona ou afetando o comportamento sexual masculino, abrindo caminho para estudos futuros que permitam clarificar o papel desses genes e o seu potencial uso como biomarcadores de infertilidade.

Relativamente a distúrbios do sono específicos, a insónia é o mais prevalente a nível global (10 a 15% da população) e está associado a elevados níveis de stress psicológico, com impacto negativo também na fertilidade. No entanto, é surpreendentemente pouco estudada em relação à fertilidade.

Não obstante, os estudos existentes dão-nos indicação de que homens com insónia podem apresentar uma diminuição da líbido, disfunção eréctil e sexual, menor produção de testosterona e aumento do stresse oxidativo — todos fatores amplamente reconhecidos por comprometer a função reprodutiva.

Em suma, embora os estudos relativos ao impacto da qualidade do sono na fertilidade ainda sejam limitados e muitas vezes difíceis de reproduzir, devido a limitações em termos de desenho e abordagem experimental, a literatura científica atual sugere que os distúrbios do sono afetam negativamente a fertilidade masculina. Assim, destaca-se a necessidade de investir nesta área, especialmente num cenário de aumento simultâneo da infertilidade e da prevalência de distúrbios do sono.

Estudos futuros devem não só aperfeiçoar as ferramentas de diagnóstico da insónia, mas também esclarecer os mecanismos que ligam o sono e fertilidade masculina, como o papel do stress oxidativo, das alterações no ritmo circadiano e dos genes-relógio na espermatogénese e na homeostase hormonal. Além disso, é necessário investigar o impacto de intervenções especificas na qualidade do sono — como a terapia cognitivo-comportamental para insónia ou tratamentos direcionados com melatonina — sobre os parâmetros seminais e fertilidade. Em conjunto, estas abordagens podem fornecer novos dados que permitam melhorar a fertilidade masculina associada a distúrbios do sono.

Referências:

Todos os estudos mencionados são analisados e referidos na seguinte publicação: Carvalhas-Almeida, C., Cristo, M. I., Cavadas, C., Ramalho-Santos, J., Álvaro, A. R., & Amaral, S. (2025). Sleep and male (In)Fertility: A comprehensive overview. Sleep medicine reviews81, 102080.

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