Artigo de Opinião

14 Jun. 2023

Infertilidade, uma doença dos tempos modernos

Pedro Xavier

A infertilidade é caracterizada pela ausência de uma gravidez viável após 12 meses de relações sexuais regulares e sem uso de métodos contracetivos. Temos vindo a observar um aumento da prevalência de casos de infertilidade masculina, com alterações na produção de espermatozoides, em número e em qualidade, que já afetam quase 50% dos casais. No caso da mulher, o fator idade é porventura o mais importante. Não sendo uma doença, a idade mais avançada da mulher (sobretudo após os 35 anos), é seguramente responsável por muitos casos de infertilidade, uma vez que afeta a quantidade e a qualidade dos óvulos. As condições que mais frequentemente afetam a fertilidade feminina são as alterações da ovulação, as doenças do útero e das trompas uterinas e a endometriose. Admite-se que muitos casos estejam diretamente relacionados com o estilo de vida atual, caracterizado por um maior sedentarismo, obesidade, alimentação menos saudável, o consumo de cigarro e álcool, para além dos fatores de poluição ambiental.

O aumento da prevalência da infertilidade enquadra-se numa realidade demográfica do nosso país que é bastante preocupante. A natalidade tem diminuído progressivamente. Em 2019, o número médio de filhos por mulher em idade fértil desceu para 0,86, quando comparado com a média de 1,03, em 2013 (dados INE). Esta evolução resulta num envelhecimento da nossa população, uma vez que 2,2 seria o número médio de nascimentos por casal que permitiria manter uma certa estabilidade na proporção entre os diferentes grupos etários.

Urge, pois, implementar políticas de natalidade efetivas, das quais não podemos excluir o aumento do apoio aos casais inférteis. É difícil aceitar que o tempo de espera para realizar um tratamento no SNS possa ser superior a um ano, ou a três anos nos casos que impliquem a utilização de gâmetas doados, sobretudo quando sabemos que o tempo conta de forma implacável na redução da fertilidade e na taxa de sucesso dos tratamentos. Embora essas taxas de sucesso tenham aumentado nas últimas décadas, continuam longe do desejável.

Genericamente podemos dividir os tratamentos em dois grupos. Os tratamentos de 1.ª linha consistem fundamentalmente em otimizar o processo de fecundação natural, como é o caso da indução da ovulação e da inseminação intrauterina (IIU). O outro grupo de tratamentos, ditos de 2.ª linha, é constituído por um conjunto de técnicas de procriação medicamente assistida. São tratamentos mais complexos e em que a fecundação é levada a cabo no laboratório. Os mais comuns são a Fertilização in Vitro (FIV), a Microinjeção Intracitoplasmática de Espermatozoide (ICSI), a Transferência de Embriões Criopreservados (TEC) e os Testes Genéticos Pré-implantação (PGT). As taxas de sucesso variam com cada um dos tratamentos e com a idade dos pacientes, sobretudo da mulher. No caso da IIU, a eficácia ronda os 10 a 15% por cada tratamento. No entanto, com as técnicas de FIV e ICSI, estes números podem chegar aos 50%, sobretudo nos casais em que as mulheres tenham menos de 35 anos de idade. Nos casos de tratamentos realizados com ovócitos doados, a taxa de sucesso pode ser superior a 60%.

São então vários os desafios para ultrapassar a infertilidade, mas o problema da acessibilidade constitui o maior desafio a quem procura fazer um tratamento de PMA no SNS. A solução, não sendo fácil, só pode ser obtida com a aposta do país no seu próprio futuro. Não podemos esquecer que atualmente entre 3 e 4% do total de nascimentos são já de crianças que resultaram de tratamentos de PMA.

Artigo do Presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina da Reprodução e membro do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida. inserido no mês da consciencialização da fertilidade, com o apoio da Associação Portuguesa de Fertilidade.

Jornal de Notícias • 14 Jun 2023
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