Artigo de Opinião

06 Jun. 2025

Fertilidade e natalidade: o ‘blindspot’ da política portuguesa

Cláudia Vieira

Nas discussões no espaço público sobre a saúde estão cada vez mais presentes o tema do financiamento e da organização do sistema. Apesar de importantes, estas discussões dizem pouco sobre o impacto que as grandes tendências demográficas e sociais terão, nos próximos anos, nos nossos sistemas de saúde e ainda menos sobre as medidas necessárias para diminuir o seu impacto. Assim, é natural que decisões como a não votação sobre o alargamento da licença parental na Assembleia da República, bem como a falta de investimento na prevenção e no tratamento igualitário e atempado da infertilidade, não tenham o devido destaque e que os próprios partidos não percebam o que está em causa.

Em 2022, a taxa de fertilidade total na União Europeia (UE) era de 1,46 nados-vivos por mulher e, em Portugal, era ainda mais baixa – 1,43 nados-vivos por mulher. Em Portugal, e segundo o Estudo Afrodite (2009), cerca de 9 a 10% dos casais sofrem de infertilidade ao longo da vida e 1 em cada 10 casais portugueses tem dificuldades relacionadas com a Fertilidade, o que permite concluir que entre 260 a 290 mil casais portugueses sofrem de infertilidade e mais de 100 mil podem necessitar de tratamentos, números que apenas poderemos assumir que tenham piorado nos últimos anos. Esta, para além de uma problemática da saúde pública, é por inerência, também uma problemática económica, social e estrutural no nosso estilo de vida.

A problemática dos níveis cada vez mais baixos de Fertilidade e Natalidade não pode ser encarada como uma escolha individual ou de saúde, pois trata-se de um desafio demográfico e económico coletivo que enquanto país, teremos de resolver. Desta forma, medidas como uma educação para a prevenção da infertilidade junto dos jovens são essenciais para uma resposta concertada que culmine na capacitação do SNS de responder à crescente procura sobre este tema. Medidas deste género terão não só de ser discutidas no nosso Parlamento, como terão de ser adotadas pela generalidade da sociedade portuguesa.

É nesta lógica que consideramos existir a necessidade de apresentar medidas práticas sobre este tema urgente, tal como acontece no manifesto pela igualdade reprodutiva e um futuro sustentável, que convoca todos os setores da sociedade portuguesa – cidadãos, profissionais de saúde, decisores políticos, empregadores e organizações da sociedade civil – a unirem-se neste esforço vital, através de propostas que dão resposta a prioridades na área da saúde, educação, trabalho, coesão social/territorial e demografia.

Prevenir e tratar a infertilidade tem de ser encarado como um investimento da sociedade como um todo, para que as pessoas que hoje procuram evitar uma gravidez amanhã possam ser pais, tendo do seu lado toda a informação de que necessitam, sendo capazes de lidar com as dificuldades que possam aparecer. Adicionalmente, aqueles que hoje já se debatem com dificuldades, mais do que esperarem por mais políticas de apoio à natalidade (subsídios ou licenças), precisam de condições de acesso aos cuidados médicos que os ajudem a atingir o objetivo da maternidade ou paternidade.

Tendo em conta a importância deste tema para o futuro do País, convocamos o conjunto da sociedade portuguesa a participar, pensar e discutir sobre este tema, que a todos diz respeito. As necessidades de desenvolvimento do País não podem ser avaliadas em silos temáticos, o que implica que o tema da fertilidade e natalidade seja olhado por vários prismas (saúde, economia, demografia, etc) e por vários stakeholders (especialistas, empresas, poder político etc.) que proponham soluções colaborativas e holísticas. Para responder às grandes dinâmicas que enfrentamos no futuro próximo, precisamos de grandes soluções. É este o desafio que a sociedade portuguesa terá de enfrentar e todos seremos chamados a contribuir.

Visão • 5 Jun. 2025
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