17 Nov. 2025
Nove anos por um sonho
Vítor Silva e Daniela Freire
Somos o Vítor, 42 anos, e a Daniela, 39. De momento estamos a viver em Carvide, zona da praia de Vieira de Leiria.
Começámos a nossa jornada há 9 anos, com toda a normalidade e sentimento de que o mais difícil era tomar a decisão. Para nós até foi fácil. Fazia todo o sentido e enchia o nosso coração.
Demos os primeiros passos: médico de família, exames de rotina à mulher. Ninguém falou nada em relação ao homem. "Tudo bem. Se não conseguirem durante um ano voltem cá". Não conseguimos. Voltámos e foi difícil conseguir ir para a área da fertilidade no hospital. Conseguimos através do médico que seguia a Daniela na área de obesidade.
Demorou mais de um ano a ter a primeira consulta na fertilidade. Neste processo foi dada importância aos dois. Foi descoberto um tumor num ovário à Daniela. O drama, o medo, a incerteza instalou-se. Claro que fomos tratar do problema. Sem nos apercebemos, e por causa da preocupação em que estávamos, o Vítor ficou para segundo plano. Deixou para depois fazer os exames. O que fez com que o nosso processo demorasse mais tempo. Descobrimos que o Vítor também tinha problemas.
Resumindo, a Daniela já antes de começar o processo tinha passado por vários problemas de saúde durante a juventude e que influenciam imenso. Obesidade, muitas cirurgias, sem baço, um tumor junto ao estômago... Já recuperada, mas tudo influencia o organismo. Depois mais um tumor num ovário. O Vítor tinha problemas nos espermatozóides, poucos, malformados e preguiçosos. Tudo junto resumiu-se a uma taxa baixa de sucesso para uma gravidez.
Com o COVID pelo meio recebemos a notícia, por telefone, que o nosso caso não iria seguir pois a estimativa de taxa de sucesso não era suficiente e, como a medicação no âmbito do tratamento pode impulsionar as células cancerígenas, não iriam arriscar sem um relatório da Oncologia a dar “luz verde”. Foi um choque. "Mas engravidar vai impulsionar um cancro? Vou ter de esperar 5 anos para ter alta do cancro para poder ser mãe? Mas isto funciona assim? Não pode ser! Estas coisas são tão incertas." Fomos tentar perceber melhor com os médicos do hospital. Não conseguimos. Decidimos pedir segunda opinião no privado.
Fomos a uma clínica em Coimbra. A médica ficou realmente preocupada com o caso. Ia ter um congresso nesses dias e perguntou se podia levar a nossa história. Achámos fantástico. Bom, realmente era preocupante, mas não impossível. Teria de ser muito bem acompanhado e a probabilidade de alguma coisa aparecer era a mesma que na gravidez.
Assustados, e com consciência do risco, decidimos avançar. Exames a todos os níveis para descartar possíveis tumores. Tudo bem, vamos em frente. Nessa altura decidimos que seria o momento ideal para partilhar com a família e amigos. Estávamos a ficar psicologicamente cansados e na realidade confiantes que teríamos sucesso logo de início.
Sucesso não houve. Compreensão, ajuda, acompanhamento também não. A ideia de risco pesou muito para a família e não concordaram com a nossa decisão. "O importante é estarem bem", "se Deus não quer, não quer, têm de se conformar e aceitar", "Eu já aceitei que não vou ser avô", "Vocês não estão a ver a loucura que estão a fazer? Preferes morrer?", "Como vais tomar conta da criança e ter um cancro ao mesmo tempo?". Estas foram algumas das frases que nos foram repetidas vezes sem conta.
Decidimos deixar de falar e passar a agir, como se não nos importasse.
Anos, três clínicas, 8 tratamentos sem sucesso e o nosso estado emocional é muito frágil. O único apoio que temos é um e o outro. Muita solidão, angústia, tristeza, abandono, raiva, revolta, ansiedade, tantos sentimentos que não sabemos explicar. Decidimos procurar ajuda. Fomos ter com profissionais. Psicólogos. Procuramos grupos, pessoas com o mesmo problema para poder conversar. Sem sucesso. É difícil as pessoas abrirem os seus corações. Como eu, Daniela, entendo. Percebi que se der o primeiro passo as pessoas têm tendência a abrir-se um pouco mais. Comecei a falar sem me preocupar, com pessoas desconhecidas. Os novos amigos chegaram mais tarde e aceitaram de forma diferente a situação. Conseguimos falar, mas com limitações, muito porque não sabem o que nos dizer. Notamos que a falta de informação faz com que as pessoas comentem, com a melhor das intenções, mas muitas das vezes o que dizem magoa mais. É por essa razão que, quem passa por este processo, se fecha.
Houve uma pausa de cerca de dois anos. Não nos apercebemos do tempo a passar. Passámos a ser viciados no trabalho, sem vida social. Mudámos de casa e deixámos tudo encaixotado. Quando nos apercebemos foi um choque gigante. Não pode ser. Não podemos enganar mais. Andávamos a dar atenção ao trabalho para tapar o buraco no coração que tínhamos por não conseguirmos ser pais.
Batemos o pé! Dissemos que chegava e que íamos à luta. Decidimos que seria a última clínica e a última tentativa. Esta decisão foi difícil. Parece que se desiste, mas não, estamos a aceitar os nossos limites e capacidades. E está tudo bem em não conseguir mais.
Fomos a uma clínica acabada de abrir em Coimbra. Foi-nos proposto um pacote de FIV com os nossos óvulos e caso não funcionasse com óvulos doados. O tratamento com nossos óvulos deu-nos a nossa primeira grande vitória. Cinco óvulos e dois embriões. Primeira vez que conseguimos óvulos. Mas o implante dos embriões não teve sucesso.
Nesta fase conhecemos a acupuntura. Ajudou drasticamente. Mudámos a alimentação. Melhorámos o nosso corpo, saúde e bem-estar. Um ano depois voltámos para fazer o tratamento com óvulos doados. Foi difícil aceitar. A Daniela sentia que falhava como mulher e como mãe, como se não fosse seu. O mindfulness, a psicóloga, as explicações e estudos de como tudo funciona geneticamente ajudaram a perceber que não é nada disso.
Fizemos o tratamento. Estamos grávidos!